Ganhos e perdas |
EDITORIAL |
O Globo |
14/12/2007 |
Foi derrotado, na madrugada de ontem no Congresso, um modelo fiscal forjado a partir da saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, assentado em gastos correntes em alta e sustentado por uma carga tributária ascendente para financiar a gastança. Ao reeleger-se, o presidente Lula lançou o PAC, para tentar eliminar um dos mais frágeis pés de barro da sua gestão: o baixo investimento público na infra-estrutura. Deu-se, então, uma contradição, pois, se de um lado passou a ser política de governo reanimar a anêmica taxa de investimento público (em torno de 1% do PIB, quando já foi 4%), de outro, em nenhum momento foi demonstrada intenção de cortar o fôlego da gastança no custeio (assistencialismo, servidores públicos, manutenção da companheirada nos 20 mil cargos ditos de confiança etc.). É evidente que a conta não fecha, a não ser que seja mantida e ampliada a carga tributária, já nas nuvens (36% do PIB, a mais alta do mundo no âmbito nas economias emergentes). Por essa estratégia, era fundamental manter no Orçamento do ano que vem os R$40 bilhões da CPMF, mesmo que viessem de um imposto reconhecidamente pernicioso para a produção e os contribuintes pessoas físicas. Esta era a verdadeira razão do afinco com que o governo se lançou à luta pela prorrogação do imposto. Para isso, procurou ligar a CPMF à Saúde - aliás, a razão de ser da sua criação, em 1993 -, uma maneira de sensibilizar Congresso e governadores. Mas nada garantia que o dinheiro iria mesmo para hospitais e ambulatórios, como também não há segurança de que estava indo. Nem mesmo teve vida longa a tese oficial de que o imposto é socialmente justo, pois está provado por estudos acadêmicos que se trata do contrário. Foi derrotado também um estilo arrogante e autoritário de negociação forjado no Planalto, estimulado pela maioria folgada que conta o governo na Câmara dos Deputados, tratada como cartório carimbador de desejos do Palácio. E sem qualquer respeito pelo Parlamento, pois, quando resistências foram identificadas, acionaram-se instrumentos aéticos e ilegais, como o mensalão, e instalou-se o clássico e despudorado balcão de negociações fisiológicas dentro da Casa. Prova dessa arrogância foi o comportamento do presidente na fase final da negociação - que hoje se vê que era de araque -, quando subiu em palanques para desancar a oposição e, num discurso populista ---- que volta e meia emerge nos improvisos presidenciais ----, valer-se da perigosa tentativa de jogar ricos contra pobres, o povo contra o Senado. Isso não faz bem à democracia que permitiu Lula chegar ao poder. O governo menosprezou o Congresso, e quando tentou voltar atrás era tarde. Na rejeição da CPMF, saíram vitoriosas as instituições da democracia representativa, em cujas bases está o respeito às vozes discordantes do poder. Que nem minoritárias são no que se trata da carga tributária. Haja vista que, mesmo em pesquisas em que o presidente é bem avaliado, o peso dos tributos aparece como um dos itens mais criticados. Na democracia, não é a imagem do presidente, sua popularidade ou impopularidade, que deve decidir os impasses. Como é universalmente aceito - menos em conhecidas exceções de América Latina, Oriente Médio, África e ex-satélites soviéticos -, o sistema de pesos e contrapesos não permite que o presidente e o Congresso possam tudo. Os impasses, quando surgem, devem ser dirimidos no Judiciário, e não nas ruas. É esse equilíbrio de forças que concede estabilidade, segurança e previsibilidade políticas e jurídicas, essenciais para a sociedade avançar. O Brasil se firmou ontem de madrugada como um referencial positivo no continente, longe de Venezuela, Bolívia e Equador. São vitoriosos, ainda, o Senado, o DEM - que se bateu pelo fim definitivo do imposto - e a bancada de senadores tucanos, barreira de contenção ao imediatismo da governadora Yeda Crusius, apenas preocupada com o caixa do seu estado, e ao projeto político pessoal de José Serra e Aécio Neves, interessados exclusivamente em manter o dinheiro da CPMF no caixa em 2011, quando esperam, um ou outro, suceder a Lula. Depois do deplorável desfecho do caso Renan, a Casa soube recuperar parte de uma imagem centenária que havia sido arranhada. O Senado cumpriu a função constitucional de Casa revisora da Câmara. Para o governo, por sua vez, foi emitido um sinal de que Garibaldi Alves talvez não seja tão afável como havia sido Calheiros e seria Tião Vianna. A oposição não pode seguir o exemplo do governo e cair no pecado da arrogância. Tem de descer da tribuna e começar uma negociação séria com o Planalto. Debelada a auto-suficiência governamental, é hora de restabelecer a CPMF em 2008, programando-se a queda paulatina da sua alíquota até estabilizá-la em 0,08%, em 2011, conforme emenda do senador tucano Tasso Jereissati, para que funcione como instrumento de fiscalização tributária. O farto excesso de arrecadação compensará a perda da CPMF a partir de 1º de janeiro. Oposição e governo devem, também, se entender sobre regras para conter a expansão dos gastos, para que a carga tributária não continue em ascensão, estrangulando investimentos públicos e privados e, por decorrência, o próprio crescimento da economia. Mas tudo depende de como o governo metabolizará a derrota. Se entender seu verdadeiro sentido, Lula terá condições de plasmar os três anos restantes de governo cumprindo a promessa feita ao tomar posse em primeiro de janeiro de 2003: governar para todos os brasileiros. |
Entrevista:O Estado inteligente
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