Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 14, 2007

A derrubada da CPMF


editorial
O Estado de S. Paulo
14/12/2007

Quando, já na madrugada de quinta-feira, o Senado começou a votar a emenda constitucional que prorrogaria a CPMF até 2011, obviamente nenhum dos seus 81 membros ignorava as duas notícias estrepitosas do dia: nos 12 meses encerrados em setembro, o Produto Interno Bruto (PIB) nacional cresceu 5,2% e em dezembro a aprovação ao governo chegou a 51%. Tudo levava a crer que, juntas, as duas novidades que põem o presidente Lula nas nuvens, abalariam a união da bancada do PSDB, fiel da balança da decisão e até então decidida a acabar com o imposto do cheque, para não falar do efeito que poderia ter sobre o punhado de dissidentes em potencial da base governista de 53 senadores (em 81), distribuídos por uma dezena de siglas.

Mas o resultado da votação, deixando o Planalto 4 votos aquém dos 49 necessários, lembrou aos distraídos que, para o bem ou para o mal, a autonomia da política em relação às realidades que a circundam não só não é uma invenção dos politólogos, como ainda pode se manifestar quando menos se espera. Correndo o risco de levar a barca tucana a pique nas próximas eleições por abalroar o transatlântico lulista - cujo timoneiro não se cansou de proclamar que o povo é quem pagaria o preço pelo fim da CPMF - a normalmente dividida representação do PSDB acompanhou, unânime, o voto do líder Artur Virgílio. E, no entanto, dos seus 13 integrantes, 7 estiveram prontos a dizer sim ao Planalto.

Provou-se falsa, assim, a teoria de que a CPMF seria prorrogada em razão do inabalável prestígio pessoal do presidente, na casa de 65%, que por sua vez decorre diretamente do estupendo vigor da economia - o País está perto de fechar o ano com um PIB pelo menos 5% superior ao de 2006, completando 19 trimestres de expansão ininterrupta. E isso aconteceu, primeiro, porque os termos em que o governo colocou a aprovação da prorrogação da CPMF ofereceram ao PSDB a oportunidade ímpar de investir contra o patrimônio de Lula, impondo-lhe uma derrota sem precedentes desde a sua primeira posse, há praticamente cinco anos. O PSDB apostou no ditado do quanto maior a altura, maior o tombo, e conseguiu dizer à sociedade que a oposição existe quando dela se necessita. Era a cartada em que insistia o ex-presidente Fernando Henrique, o mentor da afinal vitoriosa intransigência tucana, apesar das pressões em contrário dos governadores da legenda.

Em segundo lugar, porque não era nem convincente nem consistente a derradeira oferta de Lula, feita em desespero de causa - destinação de 100% dos recursos da CPMF à saúde e reforma tributária em 2008.

A oposição está convencida de que o aumento da arrecadação resultante do próprio crescimento econômico, cuja sustentabilidade está assegurada até onde a vista alcança, permitirá ao governo dispensar, sem maiores problemas, a contribuição do mais perverso dos impostos brasileiros. Daí haver condições para infligir a Lula um revés político, que o fizesse lembrar que seus poderes são limitados - o memento mortis que os romanos sussurravam nos ouvidos do César triunfante -, sem qualquer prejuízo para a sociedade.

O argumento segundo o qual o dinamismo da economia tornou anacrônica a CPMF corresponde a uma verdade objetiva. Na ponta do lápis, o montante da arrecadação federal neste ano vem crescendo muito mais do que a receita anual do imposto do cheque. Querendo - e essa é a chave da questão -, o presidente poderia fazer do limão uma limonada, mudando para melhor o perfil dos gastos do governo de sorte a minimizar o efeito dos “lucros cessantes” da CPMF. É apenas natural, em toda parte, que detentores de mandatos executivos recorram ao catastrofismo, em graus variados, para fazer passar projetos que considerem essenciais às suas administrações. Nesse sentido, Lula não inovou, ao reiterar que o mundo desabaria sobre os pobres se o imposto do cheque fosse extinto, conquanto tenha exacerbado a sua pregação alarmista.

Mas está a seu alcance impedir que a profecia se auto-realize, passando a tesoura no que só é um esbanjamento de dinheiro público, e preservando as políticas fundamentais para o virtuoso desempenho da economia.

Antes da derrota, Lula falou várias vezes em bom senso. Acreditamos que também no governo ele vai prevalecer.

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