O Estado de S. Paulo |
5/12/2007 |
A prevista absolvição do senador Renan Calheiros ontem no plenário do Senado conta, de forma reduzida e didática, a história da política como é feita no Brasil: de mãos dadas com as conveniências dos principais atores da ocasião. Os procedimentos são repetitivos: quando é possível atender aos interesses da sociedade, providenciam-se algumas concessões; caso contrário manda-se às favas o público e toma-se como referência de coletivo o próprio umbigo. Tudo, claro, mediante a combinação prévia do jogo e uma desculpa - pode ser esfarrapada mesmo - para contar em casa. De preferência transferindo a responsabilidade ao vizinho. O Senado não tomou ontem uma decisão de mérito. Não levou em conta o conteúdo da denúncia nem os indícios apontados no relatório aprovado pelo Conselho de Ética, aceitando a acusação de quebra de decoro por participação fraudulenta do senador no controle societário de duas rádios e um jornal em Alagoas. O Senado prestou-se a instrumento de conjugação de interesses: do PMDB, do governo, das “igrejinhas”, das relações de amizade, das trocas de favores e até das vinditas pessoais. E convém não jogar sobre as costas dos atuais governistas o peso desse tipo de ação, porque não se tem notícia de que em algum momento os poderosos do passado recente tenham atuado de forma diferente. Renan Calheiros, é bom não perder a referência na memória, foi ministro da Justiça - note-se, da Justiça - de Fernando Henrique Cardoso. Qualquer ocupante da Presidência da República sabe perfeitamente bem da vida e das andanças de seus auxiliares. Até porque não há o que não se saiba em Brasília. Existem mensageiros em abundância, vários deles especializados no trânsito do leva-e-traz entre o Palácio do Planalto e adjacências. Ocorreu assim na gestão do antecessor, do presidente que àquele antecedeu, na administração inaugural da redemocratização e também na ditadura, sob a proteção da censura à imprensa. Acochambros sempre foram do jogo da política. Esperava-se, entretanto, que os mais escandalosos, despudorados e descabidos perdessem adeptos à medida que o País se modernizasse e a sociedade se tornasse mais exigente. O Brasil avançou, os cidadãos ficaram mais rigorosos, os controles mais rígidos, a massa crítica mais acurada, mas os artífices da política apuraram suas técnicas e ficaram também mais desavergonhados em movimento contrário à lógica dos fatos. No caso de Renan Calheiros, fez-se um acordo de absolvição, exposto em todos os seus detalhes pela imprensa. Passado um momento inicial de balbucio de negativas, seus signatários não só o assumiram como confirmaram seus termos em palavras e atos abertos. Transparentes. De fato, não se pode acusar ninguém ali de falta de transparência. Jogaram limpo, deixaram bastante claro que não se preocupam com avaliação, pesquisas, imagens, coisa nenhuma. Pouco se lhes dá se 45% da população têm o desempenho do Congresso na conta de ruim e péssimo (Datafolha). Não os interessa se o chefe do Executivo recebe 50% na graduação de ótimo e bom e que isso traduza uma situação nociva, por agressiva, ao perfeito funcionamento da República: o desequilíbrio entre os Poderes. Não se empenham em recuperar terreno no quesito confiabilidade, a fim de preservar a harmonia institucional indispensável ao sistema representativo, como se isso não lhes dissesse respeito. O único equilíbrio que lhes toca a sensibilidade é a estabilidade da correlação de suas forças individuais. Não havendo riscos a essa solidez, parlamentar pode burlar a lei e atentar contra os costumes à vontade, sem se preocupar com os ditames de um periódico chamado Constituição Federal. Não levaram em conta a nefasta contribuição de Calheiros neste ano de 2007 para a derrocada do Senado, até então muito mais bem visto que a Câmara. A absolvição é uma possibilidade em julgamentos. Não foi ao optar por ela que o Senado se diminuiu. Reduziu-se ao fazê-lo não por convicção da inocência do acusado, mas em atenção às conveniências dos principais atores da ocasião. A lamentar, resta o fato de que não são todos os políticos que pensam e agem da mesma forma, mas a má fama atinge igualmente o conjunto e reduz ao papel de casa de marionetes a instituição por todos representada. Encenação O tom petulante do discurso final, o sorriso no rosto durante a votação e o silêncio da maioria antecipavam a certeza e permitiram a Renan Calheiros o gesto teatral de não votar. Falou quem quis marcar posição e fez-se o mutismo geral. Escorado na advertência do senador Tião Viana sobre a possibilidade de processo por quebra de decoro para os senadores que revelassem seus votos. A Constituição garante a imunidade do voto e da voz do parlamentar. O regimento veda a validade de declarações de voto à parte dos registros no painel eletrônico, mas não proíbe ninguém de falar.
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Entrevista:O Estado inteligente
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