Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 04, 2007

Dora Kramer - Bom-dia, democracia




O Estado de S. Paulo
4/12/2007

Nada é definitivo, principalmente quando se trata de idéias más e intenções piores ainda. Mas, a preços de hoje, o fim de semana produziu três boas notícias para a democracia no Brasil e na América Latina.

As boas novas são boas não por causa das derrotas impostas a este ou àquele governante e sim porque prestam homenagem ao pluralismo, à alternância, ao respeito às minorias, ao valor do contraditório, à vivacidade política das sociedades, ao trânsito do saudável conflito de pensamentos, ao discernimento dos cidadãos.

Por ordem de entrada em cena: domingo, pesquisa Datafolha mostrou que 65% dos brasileiros são contrários a um terceiro mandato consecutivo para o presidente Luiz Inácio da Silva e 63% rejeitam a idéia para qualquer presidente.

Ato contínuo, Lula, que brinca com muita coisa, mas não briga com pesquisa de opinião, fez sua mais contundente e convincente declaração contra os balões de ensaio lançados por alguns de seus aliados. “É um absurdo mudar a Constituição”, disse o presidente, qualificando o resultado da pesquisa como sinal de “sabedoria” por parte do brasileiro.

Segunda-feira amanheceu com a notícia sobre a vitória do “não” à Constituição por meio da qual Hugo Chávez pretendia adquirir poderes absolutos sobre o destino, a vontade, as instituições e até o espaço territorial e marítimo da Venezuela.

A vitória apertada não diminui a enormidade da derrota política, porque Chávez perdeu na posse do controle das instituições e das comunicações venezuelanas.

Perdeu mais ainda porque personalizou nele mesmo o referendo. E perdeu mesmo tendo tido o benefício da ausência de 44% do eleitorado, sendo lógico imaginar que aí esteja contido um grande contingente de descontentes com o seu governo, mas apáticos a respeito do valor da luta e do exercício da oposição.

Foi uma bela lição de cidadania, um sinal de que o retrocesso democrático na América Latina não representa o inexorável e, do ponto de vista brasileiro, joga água fria sobre os que já enxergavam na convocação de constituintes para decidir isso ou aquilo um caminho para reeleições ilimitadas e outras distorções institucionais.

Ensejou manifestações de regozijo com o resultado até mesmo no terreno dos governistas e certamente inibirá a insistência na defesa da escalada autoritária de Chávez sob a chancela do “respaldo popular”.

Não servirá, contudo, para conter o apetite do tirano. Mesmo na sua mímica democrática de “reconhecimento” (havia outro jeito?) da derrota, Hugo Chávez avisou que continuará tentando. A fera, ferida, engendrará outras saídas para a obtenção de seus intentos.

Mas o fará já em situação diferente, pois a tendência da oposição na Venezuela agora é de se fortalecer e receber a adesão dos até então temerosos, desiludidos ou inseguros quanto à eficácia de alguma ação contra quem detém tanto poder e popularidade.

O jogo na Venezuela não está encerrado. Ao contrário. Começa agora o tempo do embate.

Aqui tampouco o produto da pesquisa Datafolha enterra em definitivo a questão da continuidade mediante outros caminhos que não os pautados pelas regras em vigor. Por um motivo simples: não raro, a ambição supera os ditames da inteligência.

O resultado, que reafirma o apoio da maioria a Lula, aconselharia ao PT deixar de lado inovações e se dedicar a construir uma candidatura capaz de bater a oposição nas urnas, com Lula dando a entender que continuará “cuidando com carinho” de sua gente por meio de seu sucessor ou sucessora.

Mas a cobiça, a ansiedade e o mau desempenho dos petistas nas pesquisas poderá obliterar as visões e não deixá-las perceber o quanto a bandeira da continuidade paralegal serve de estandarte à oposição.

Não surpreenderá se algum conselheiro surgir agora a cochichar nos ouvidos presidenciais que a pesquisa só apresentou essa rejeição ao terceiro mandato porque a opinião pública até então só foi submetida a argumentos contrários e que, mais à frente, a bordo de sua popularidade, se o presidente resolver entrar na briga, terá chance de ganhar.

Ver-o-peso

“Se tivessem me entrevistado não seriam 63%; seriam 64%”, disse o presidente Lula, integrando-se à maioria dos brasileiros que rejeitam a tese de reeleições ilimitadas para presidentes.

Sua excelência fez bonito no verbo, mas claudicou nos números. Para a pesquisa computar 64% seriam necessários os votos de mais de 100 eleitores no universo dos 11.741 consultados.

Martelo batido

Os 37% de José Serra na pesquisa de intenções de voto para 2010 confirmam consultas de outros institutos. Noves fora o imponderável, tucanos e democratas consideram-no o candidato do PSDB à Presidência.

Mas em 2006 ele também não tinha 40% contra 20% de Alckmin?

Tinha. Mas também teria Lula pela proa.

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