Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 08, 2007

De prata e de ouro


Independente, saudável e dona de 70% da riqueza
do Japão, a geração acima de 60 anos viaja, consome,
disputa as atenções do mercado – e, ainda assim,
gostaria de voltar a trabalhar

Fotos Paulo Vitale
[SOB UM CHAPÉU DE PANO]
Sempre há um idoso viajando para algum lugar: os "cidadãos de prata" são o principal público do mercado de turismo


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Onde quer que haja uma plataforma de ônibus ou de trem, lá estarão eles, com seus chapeuzinhos de pano, mochilas nas costas e passos lépidos. O destino pode ser o Monte Fuji, uma estação de águas ou um parque onde as cerejeiras acabam de florir. No Japão, os idosos – quer dizer, os "cidadãos de prata", como são chamados pelo governo – estão sempre a caminho de algum lugar. Principal público do mercado de turismo, têm, só no bairro de Ginza, em Tóquio, um dos metros quadrados mais caros do planeta, três grandes agências especializadas em pacotes para eles. Com ofertas que incluem de cruzeiros a 160 000 dólares por cabeça a roteiros para quem gosta de observar pássaros, jogar golfe, fazer trekking, apreciar obras de arte, tomar chá, assistir a concertos musicais ou visitar ruínas históricas, as agências se desdobram para satisfazer os caprichos de um público que hoje concentra nada menos do que 70% da riqueza do país.

No Japão, quem tem dinheiro são os velhos – sobretudo os que nasceram no pós-guerra e tiveram a sorte de estar na fase mais produtiva da vida quando a bolha econômica da década de 80 elevou os salários aos píncaros, produziu farta distribuição de bônus e fez ações e imóveis valer pequenas fortunas. Os baby boomers que aproveitaram esse sopro não precisaram construir nenhuma carreira extraordinária para garantir uma velhice tranqüila. Hoje, o patrimônio médio dos japoneses com mais de 60 anos de idade é de 135 000 dólares – quase o dobro do que possuem as pessoas com idade entre 40 e 49 anos e mais que o triplo do que acumularam as que estão na faixa dos 20 aos 39 anos.

[PAÍS GRISALHO]
Em 2050, a previsão é que em cada cinco japoneses dois serão idosos

Por isso, o mercado de produtos voltados para o público sênior é um filão dos mais rentáveis e criativos. Eis alguns exemplos: vasos sanitários que, monitorados por sensores de movimento, se iluminam suavemente à noite, evitando que o usuário tenha de acender a luz do banheiro (pesquisas apontam que o gesto faz com que os idosos percam o sono). Celulares equipados com dispositivo "slow-voice", que, ao ser acionado, faz com que a voz de quem está do outro lado da linha soe mais lenta e compreensível para quem ouve. Chaleiras elétricas que, quando ligadas, emitem um sinal para um telefone previamente escolhido. Esse último produto é destinado, na verdade, aos filhos dos idosos – receptores da mensagem da chaleira, cujo significado é: "Papai (ou mamãe) está preparando o chá; portanto, deve estar bem (ou, no mínimo, vivo)". O equipamento foi inspirado no tempo em que o leite era entregue em domicílio e os moradores costumavam monitorar a saúde dos vizinhos mais velhos pela quantidade de garrafas cheias que viam diante da sua porta. Se elas se acumulavam, era sinal de que algo estava errado com o idoso. Nesse caso, corriam para avisar um parente. As garrafas de leite não existem mais e vizinhos solidários são difíceis de achar, mas o número de velhos que moram sozinhos no Japão aumenta a cada dia. Em 1980, apenas 4% da população idosa masculina e 11% da feminina viviam sós. Em 2000, essas porcentagens saltaram para 8% e 18%, respectivamente.

Em grande número, independentes e muito longevos (a expectativa de vida dos japoneses é a mais alta do mundo: 79 anos para os homens e 85,8 anos para as mulheres), eles serão 40% da população do Japão em 2050. As ruas, ao menos, já estão preparadas para recebê-los. Desde 2000, o governo vem colocando em prática um programa que visa a facilitar a locomoção dos velhos nas cidades: o tempo dos semáforos para a travessia de pedestres aumentou e os prédios públicos e as estações de trem receberam elevadores, portas giratórias, rampas e degraus mais largos, além de sinalizações em braile e telefones públicos adaptados para quem tem problemas de audição. O tamanho das letras e dos símbolos das placas de direção e tráfego também aumentou – perfeito para um país que tem perto de 350 000 motoristas com mais de 75 anos de idade.

[Ricos e longevos]
Com a maior expectativa de vida do mundo, os idosos japoneses têm patrimônio médio de 135 000 dólares

O iminente encolhimento da população, fruto da baixa taxa de fecundidade, e o alto número de idosos farão com que o Japão enfrente sérios problemas em breve: a sobrecarga da previdência social (que terá menos contribuintes e mais aposentados para sustentar) e a queda da produtividade decorrente da falta de mão-de-obra são apenas dois deles. Mas, se os velhos são a principal causa do primeiro, podem ajudar a resolver o segundo. Para amenizar a futura escassez de trabalhadores, o governo tem poucas alternativas: fazer crescer a taxa de fecundidade (coisa que vem tentando desde 1995, até agora sem sucesso), incrementar o sistema de robotização das fábricas ou estimular o ingresso de estrangeiros, mulheres e também idosos no mercado de trabalho. Pesquisas já demonstraram que disposição para isso eles têm: 50% dos homens aposentados com idade entre 60 e 64 anos e 40% dos que têm entre 65 e 69 afirmam que gostariam de voltar a trabalhar. Num país que espera um déficit de quase 5 milhões de trabalhadores nos próximos vinte anos, os cidadãos de prata podem valer ouro.


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