Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 14, 2007

CPMF- Dá para viver sem ela

Brasil - Dá para viver sem ela

Claudia Safatle
Valor Econômico
14/12/2007

A dramática derrota imposta ao presidente Lula pelo Senado Federal, que na madrugada de quinta-feira votou pelo fim da CPMF a partir do dia 31 de dezembro, não é o fim do mundo. Pode, inclusive, ser tomada como uma boa oportunidade para os ministros da área econômica e da Casa Civil voltarem às contas do Orçamento para 2008. Rigorosamente, conforme acreditam os técnicos da área de orçamento, não será uma tragédia, como chegou a prognosticar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, abater R$ 40 bilhões da programação de receitas fiscais para o ano que vem. Pior teria sido ficar sem a Desvinculação dos Recursos da União (DRU), estimada em R$ 90 bilhões para o ano que vem e que acabou sendo prorrogada pelo Senado.

É óbvio que para o governo o melhor seria ter mais dinheiro para gastar, o que ajudaria o Palácio do Planalto inclusive a construir uma candidatura para a sucessão de Lula. Mas nas contas de especialistas oficiais em política fiscal, feitas e refeitas nas últimas horas, o forte crescimento econômico prosseguirá em 2008 e isso será de grande utilidade para recompor as receitas orçamentárias e manter a meta de superávit primário inalterada. A idéia de reduzir o superávit primário abaixo de 3,3% do PIB (meta de 3,8% mais uma folga de 0,5% do PIB para investir nos projetos-piloto) foi providencialmente abandonada ontem por ordem do presidente Lula, para não comprometer a redução gradual da relação dívida líquida/PIB e da taxa de juros básica.

Neste ano, o crescimento econômico vigoroso - de 5,7% no terceiro trimestre comparado ao mesmo período de 2006 - gerou para os cofres da União R$ 40,63 bilhões de receita adicional em relação ao projeto de lei que o Executivo mandou para o Congresso no ano passado. Entre as primeiras estimativas de receita para 2007, portanto, e o que é esperado oficialmente para o encerramento deste ano, que é uma arrecadação total de R$ 518,3 bilhões, foi possível coletar mais do que um ano de cobrança da CPMF. Isso significa R$ 63,18 bilhões a mais do que as receitas apuradas em 2006.

Não há nada que indique que 2008 será muito diferente do ponto de vista do nível de atividade e, portanto, da arrecadação de tributos e contribuições. As empresas estão faturando mais e pagando mais impostos. O aumento da massa salarial e do emprego formal também forram os cofres da Previdência Social.

"Se tivermos perícia para reorganizar o Orçamento e preservar os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), não haverá prejuízo para o nível de atividade em 2008. Nossa principal missão será garantir o crescimento do ano que vem", adiantou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. E o crescimento, nos patamares atuais, vai ajudar a resolver a perda de receita com o fim da CPMF.

Oportunidade para tratar da eficiência do gasto público

O prejuízo político para o presidente Lula talvez seja maior do que os danos para o Orçamento. É certo que algumas generosidades do governo terão que ser congeladas, como, por exemplo, a concessão de polpudos reajustes a algumas categorias do funcionalismo público. Os números, assim, corroboram, de certa forma, o que alguns economistas de fora do governo observavam ontem: "A CPMF não vai fazer falta. Dá para viver sem ela", disse Armínio Fraga, da Gávea Investimentos, que considera esse um tributo que produz distorções na economia. "Agora o governo terá que pensar no gasto e tem uma oportunidade única para resolver isso. Algo está errado para um país novo como o Brasil gastar 13% do PIB com a Previdência Social", completou.

"O governo perdeu merecidamente, após demonstração cabal de incompetência. Mas salvou a DRU, que era mais importante e sem a qual seria impossível administrar", avaliou o ex-ministro Delfim Netto. A DRU, que libera do gasto vinculado 20% das receitas fiscais, é que paga R$ 34 bilhões dos R$ 130 bilhões da folha de salários da União, financia a merenda escolar, é a fonte de metade do orçamento do Ministério dos Transportes e está distribuída em quase todos os gastos correntes do governo. "O importante agora é manter a mesma política fiscal e reduzir a taxa de juros. Tendo um mínimo de competência, não vai acontecer nada", disse Delfim.

Até a semana que vem o ministro da Fazenda vai listar todas as medidas possíveis de elevação das receitas. Cogita-se aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras e elevar a alíquota do IOF, como medidas compensatórias. Dobrar a CSLL de 9% para 18% renderia uma receita adicional de R$ 3 bilhões. Embora essa medida possa ter apelo político, dado os lucros exuberantes dos bancos, ela produziria como efeito colateral um aumento dos juros. Como paga juros quem deve, e quem mais deve é o governo, pode ser, porém, um tiro no pé.

O Orçamento para 2008 terá que passar por um profundo rearranjo e certamente os R$ 16 bilhões de emendas parlamentares já elaboradas não sobreviverão. O PAC, fundamental para manter o forte crescimento do PIB, não deve ser afetado. Mas gastos de luxo, como a importação de vasos sanitários a vácuo ao preço de R$ 2,4 mil a unidade, para alguns órgãos públicos, podem muito bem ser adiados.

Não fazia o menor sentido a proposta que o presidente Lula abraçou para conquistar os votos do PSDB, que era de passar toda a receita da CPMF para o orçamento da Saúde, que na regulamentação da emenda 29, acabou sendo aquinhoada com mais R$ 24 bilhões pagos em quatro anos. Nos últimos sete anos, o orçamento da Saúde, indexado à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), mais do que dobrou. Era de R$ 20 bilhões em 2000 e estava estimado em R$ 47,8 bilhões para o ano que vem. Como a qualidade dos serviços prestados não teve melhora sensível, é lícito questionar se o principal problema da saúde no Brasil é falta de recursos. Sem a CPMF, os acertos da emenda 29 devem ser retirados.

O desfecho de tudo isso foi pedagógico: não é mais possível acomodar aumento de impostos no Brasil.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

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