editorial |
O Estado de S. Paulo |
5/12/2007 |
Em retrospecto, é de perguntar por que, na reta final para a eleição legislativa de domingo último na Rússia, o presidente Vladimir Putin achou que era o caso de exacerbar a repressão contra os seus irrelevantes adversários, dos quais o único que se conhece amplamente no exterior é o ex-campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, volta e meia encarcerado. Já não bastasse a submissão integral da mídia de massa ao Kremlin, o que reduziu a campanha a um monólogo, o uso da mão pesada dos serviços de segurança do Estado russo contra a oposição liberal fez par com a coação de setores inteiros do eleitorado, como os funcionários públicos, que votariam nos seus controlados locais de trabalho, para sufragar Russia Unida, o partido oficial. O antigo quadro da KGB também confrontou-se com o Ocidente ao reduzir, de mais de 400 (no pleito parlamentar de 2003) para 70, o número de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (Osce) autorizados a acompanhar a escolha dos 450 membros da Duma, a Câmara Baixa do Parlamento, por 109 milhões de eleitores em 95 mil postos de votação. A Osce decidiu não mandar ninguém. No fim, o Russia Unida, com 64% dos votos, elegeu 315 deputados, sob uma torrente de denúncias de fraude. O governo alemão, no que tem tudo para ser a obviedade do ano, disse que a eleição não foi nem livre nem democrática. Fosse uma coisa e outra, ainda assim a maioria dos russos votaria nos candidatos de Putin - o que leva a especular sobre os motivos do seu excesso de zelo ditatorial. Descontados os seus instintos autoritários e a cultura política que os nutriu, tudo indica que, apesar de sua monumental popularidade, beirando a devoção, ele quis ter certeza de obter a maioria de 2/3 das cadeiras na Duma, para mudar a Constituição ao seu talante. (Alcançou o quórum com folga.) Na Rússia, história é destino. A maioria da população - essa é a verdade - continua a querer um Pedro, o Grande, uma Catarina, a Grande, um Irmão Mais Velho autocrata, cujo pulso firme e senso de direção assegurem ao país o lugar que entendem ser apenas natural na ordem das coisas - e não há muito o que as democracias ocidentais possam fazer para temperar o que é o produto da tradição histórica e da cultura russas com os valores da liberdade e dos direitos individuais. Putin não só sabe disso, como se vale dessa impotência para jogar a cartada nacionalista dos seus e corresponder ao gosto deles pela autoridade imperial. Justiça se lhe faça, ele nunca enganou ninguém. Embora o seu estatismo coexista com a convicção de que o mercado é imprescindível, Putin já disse que a destruição da União Soviética foi a maior tragédia da história russa. Isso, depois de resgatar o país dos flagelos da pobreza e da corrupção e selvageria econômica que assolaram a Rússia sob o governo do alcoólatra Boris Yeltsin, que sucedeu Gorbachev depois do desmanche da URSS. Na era Putin, iniciada com a sua eleição em 1999, a economia foi expurgada da máfia que a dominou no período Yeltsin - e, em ampla medida graças à alta dos preços do petróleo, o PIB quadruplicou, enquanto o desemprego, a inflação e o déficit externo caíram drasticamente. Escorado nesse desempenho, o presidente (cujo mandato termina em maio de 2008) armou o cenário para se perpetuar no Kremlin. Uma das hipóteses é que, eleito um pau-mandado qualquer para o seu lugar, ele se fará nomear primeiro-ministro por essa Duma que ele qualificou de “excepcionalmente legítima”. Em seguida, promoverá uma excepcional reforma da Constituição, transferindo do presidente para o primeiro-ministro, ou seja, para si, a condição de chefe das Forças Armadas e a prerrogativa de formar e desfazer governos. Com isso, a Rússia deixará de ser uma república - entre aspas, evidentemente - presidencialista para adotar o regime parlamentar. Neste, como se sabe, o presidente é o chefe do Estado, com funções meramente cerimoniais, e o premiê é o chefe do governo e condutor do país. A questão é saber se, concretizados os seus planos, segundo esse ou outro arranjo, Putin dará conta dos problemas sociais e econômicos que começaram a ganhar corpo ultimamente, retomando as reformas do primeiro mandato. Democracia, porém, nem pensar. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, dezembro 05, 2007
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