Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 13, 2004

Merval Pereira Questão política


12/3/2004
O oleoduto que a Petrobras está querendo fazer para levar o petróleo dos campos no Norte Fluminense para a refinaria de São Sebastião, em São Paulo, é muito mais uma questão política do que econômica para o governo do estado, e só com a intermediação política poderá ser resolvida. Economicamente é mais interessante para a Petrobras essa solução do que a construção de uma refinaria no Rio, a grande reivindicação da governadora Rosinha.

A Petrobras está agindo como uma empresa privada, que busca o lucro para seus acionistas, e não está dando atenção aos aspectos políticos da questão. A governadora, por seu lado, quer defender os interesses do estado, e reclama da visão puramente financeira da Petrobras, o que faz sentido do ponto de vista político.

O erro não está nem na reivindicação da governadora, nem na visão da Petrobras, mas no fato de o governo federal não ter uma política estratégica nacional para o refino do petróleo.

Só faz sentido definir onde serão instaladas as refinarias quando for definida, com visão de país e não de empresa, quantas refinarias precisaremos ter nos próximos anos. Não deveria caber à Petrobras essa definição, mas a um órgão federal.

Tem razão o governo do Rio ao afirmar que ao fazer o oleoduto ligando os campos do Nordeste do Rio ao terminal de São Paulo, as vantagens competitivas do Rio ficam anuladas, e a eventual decisão de fazer uma nova refinaria em São Paulo estaria justificada tecnicamente.

É o caso típico de colocar a carroça adiante dos bois, o que é visto, pela teoria da conspiração que há muito se instalou no Palácio Guanabara, como uma manobra do governo federal para favorecer São Paulo em detrimento do Rio.

Por anos a fio os últimos governos — tanto os de Fernando Henrique, um carioca que se mudou para São Paulo, quanto o de Lula, um nordestino que se apaulistou — vêm sendo acusados de favorecer São Paulo, o estado onde atuam politicamente.

Tanto que o atual presidente do PSDB, José Serra, é acusado de ser o mentor da lei que cobra o ICMS do petróleo no local de consumo, prejudicando os estados produtores, especialmente o Rio, o maior de todos, com 80% da produção.

Dito assim, tem ares de pura verdade, vendida sempre como uma manobra para favorecer São Paulo. Mas acontece que antes da Constituinte o ICMS não incidia sobre combustíveis derivados de petróleo, nem sobre energia elétrica. Por proposta do então deputado José Serra, passou a incidir sobre esses dois setores.

Ele alega, por isso, que nenhum estado perdeu pelo fato de a alíquota interestadual ser zero, já que não ganhavam nada anteriormente. E não foi possível cobrar o ICMS na origem, como era sua proposta, porque a maioria dos estados, importadores de petróleo e derivados e de energia elétrica, perderiam, por ter de pagar um imposto que antes não pagavam.

Para compensar, foram incluídos, por sugestão de Serra e do deputado pelo Rio Francisco Dornelles, os royalties do petróleo na Constituição. Entre 1988 e 2001, a arrecadação do ICMS subiu no Rio de R$ 6 bilhões para R$ 9,8 bilhões, ou seja, um aumento real de 64,6%. As três novas fontes geradoras de ICMS criadas pela Constituinte — comunicações, combustíveis e energia elétrica — respondem por cerca de 46% da arrecadação no Rio, enquanto a média nacional é de 38% e a mesma participação em São Paulo é de 35%.

As comunicações, em particular, têm um peso relativo muito maior no Rio do que em outras economias semelhantes: geram quase 18% do ICMS estadual, enquanto a média nacional e a proporção em SP é da ordem de 12% do total.

Quanto à acusação de ter zerado a alíquota de combustíveis para beneficiar os paulistas, Serra lembra que São Paulo era exportador para outros estados de derivados de petróleo. Como o petróleo vindo do exterior paga ICMS como se fosse extraído no estado por onde entra, e São Paulo era de longe o maior importador, também perdeu arrecadação.

O fato é que o governo do Rio conseguiu vender a imagem de que o governo federal favorece São Paulo contra o Rio. Diversas pesquisas de opinião mostram que essa idéia predomina entre os fluminenses e o Rio, que deu a maior votação a Lula no segundo turno da eleição presidencial, hoje já não apóia seu governo.

Pesquisa recente do Instituto GPP mostra mais gente considerando o governo Lula ruim — 29,5% — do que bom — 19,6%. Essa é uma vitória política do grupo do ex-governador Garotinho, candidato declarado à sucessão de Lula.

Tanto na luta pela cobrança do ICMS na origem, quanto na reivindicação pela refinaria, este ingrediente está fortemente presente. A luta pela refinaria, então, tem outro componente explosivo: a defesa do Norte Fluminense, berço do grupo político dos Garotinho.

As maiores bacias de petróleo do estado estão justamente localizadas em Campos, onde Garotinho nasceu politicamente. Por isso a oferta de reparação do pagamento das participações especiais do petróleo — que aliás deveria ter entrado na discussão logo no início, para mostrar a boa vontade da Petrobras — não resolve o problema, embora arrefeça o ânimo belicoso.

Como a questão é política, e tem várias facetas, somente com uma intermediação neutra haverá uma solução, que poderia ser um investimento que gere empregos e riqueza de maneira permanente na região norte do estado.

Nem Garotinho nem o chefe da Casa Civil, José Dirceu, são interlocutores viáveis a esta altura dos acontecimentos, devido aos ressentimentos mútuos que alimentam e aos interesses políticos divergentes.

Talvez o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, seja o canal mais adequado. Além do mais, o secretário de Energia do Rio, Wagner Victer, tem origem política no PCdoB, partido do ministro Rabelo. Pode ser um bom início de conversa

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