Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 23, 2004

MERVAL PEREIRA Os pingos nos is


23/3/2004

Uma noite de insônia, neste fim de semana, lendo a íntegra do discurso do senador Tasso Jereissati pronunciado na semana passada, bastou para apagar qualquer traço de condescendência que o chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, porventura tivesse em relação ao PSDB. Ele identifica no discurso do senador cearense, que foi tido como de defesa do ministro Palocci contra os ataques do próprio PT, mais agressões ao governo do que outra coisa qualquer.

“O Tasso Jereissati no discurso insinua que o governo tem relações com o crime organizado”, comenta Dirceu, indignado, citando o trecho em que o senador tucano fala de “uma promíscua relação de escalões inferiores do governo do PT com grupos absolutamente descomprometidos com o interesse público, alguns com raízes até no crime organizado”.

A análise que faz da atuação do senador cearense, uma dos principais líderes tucanos, na crise que o envolveu depois das denúncias contra seu ex-assessor Waldomiro Diniz, é dura e cheia de ressentimentos:

“O Tasso foi fraco e se submeteu à estratégia do Arthur Virgílio (líder do PSDB no Senado) e do Antero (Paes e Barros, senador que assina o pedido de CPI para o caso Waldomiro Diniz), que é suicida. Eles tentaram desestabilizar o governo”, acusa Dirceu. Segundo ele, os líderes do PSDB “deram corda” ao senador sergipano Almeida Lima quando este anunciou que teria graves acusações contra o governo. E ainda tentaram ligar a morte do primo-irmão de Paes e Barros ao pedido da CPI para investigar o caso Waldomiro.

“O Arthur Virgílio é mais irresponsável que o Almeida Lima. Eles brincaram com a economia naquele dia, o PSDB foi o mais radical”, comenta Dirceu, identificando os que haviam brincado com o perigo, como denunciou em recente discurso.

O ministro José Dirceu acha que o governador de Minas, Aécio Neves, teve um comportamento equilibrado nos últimos tempos, assim como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Mas atribui essas atitudes a “razões de pragmatismo político”: “Não podiam ter outro comportamento, governador de estado hoje sem o governo federal não agüenta um mês”, comenta.

José Dirceu nega que tenha mandado recados ao ex-presidente Fernando Henrique, como deputados de suas relações informaram semana passada: “Não existe essa coisa de se aproximar do PSDB. Se aproximar do PSDB é aceitar que somos ineficientes, não temos governabilidade, o país está sem projeto, o governo está sem estratégia, e a política econômica está errada.”

Voltando ao discurso do senador Tasso Jereissati, que ele ironicamente chama de “discursinho de oposição responsável”, José Dirceu lembra que ele fala que apóia o ministro Palocci mas diz que a política econômica está errada. “Eu não tenho ilusão nenhuma com o PSDB”, diz ele, para em seguida aditar um comentário de quem voltou a cuidar dos interesses partidários full-time: “E além de tudo eles vão disputar as capitais conosco.”

Dirceu chega a lamentar essa separação, lembrando que trabalhou com o PSDB nas reformas e pensava que ia continuar assim. “Ninguém pode se queixar de mim na relação com o PSDB e com os governadores. Não houve descriminação com eles na distribuição de emendas. Pega o R$ 1,7 bi que o presidente assinou em convênios, o maior investimento do governo federal em infra-estrutura até agora, e vê como está o PSDB lá. Vê se no governo deles acontecia isso. Vê como o Alckmin trata os prefeitos de São Paulo do PT.”

Segundo o ministro, o governo apoiou e sustentou governos estaduais do PSDB. “Eles eram oposição, mas havia um acordo de procedimento. Eles derrubaram isso com essa política totalmente irresponsável.” Dirceu não tem dúvidas: “Queriam me derrubar, queriam desestabilizar o governo, não venham agora falar o contrário. Não dá para apagar o que aconteceu nesses quarenta dias.”

Apesar de todo ressentimento, ele nega que tenha feito ameaça ao PSDB quando disse que dentro de mais algum tempo colocará “os pingos nos is”. “Não tem ameaça nenhuma. Não falei deles. Eu quero colocar os pingos nos is nesse negócio do Ministério Público no Brasil. Não vou deixar isso barato não. O Ministério Público vem fazendo violências legais a todo momento e continua”, denuncia Dirceu.

Segundo soube, um procurador foi na Caixa Econômica Federal, e retirou de lá os livros de visita da instituição, sem mandato de busca e apreensão. A intenção seria conseguir provas de que o ex-assessor de José Dirceu, Waldomiro Diniz, esteve lá com o bicheiro Carlos Cachoeira.

O chefe do Gabinete Civil se refere ainda ao novo processo sobre a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel: “Eles montaram aqui em São Paulo um segundo processo totalmente ilegal sobre a morte do Celso Daniel. Eles montaram o primeiro, foram eles que assinaram, eles que apresentaram para o juiz, eles que sustentaram a acusação.”

Dirceu garante que nunca usou o Ministério Público para fazer ilegalidades. “Eu ia ao Aristides Junqueira, apresentava para ele as denúncias. Todas as denúncias que apresentei tinham provas e foram apuradas. E larguei mão disso já há oito a dez anos”, garante.

O chefe do Gabinete Civil, voltando ao comando das ações do governo, aponta sua metralhadora giratória para o governo Fernando Henrique quando fala do problema dos bingos: “Esse problema não foi criado por nós, é um esqueleto do Fernando Henrique.”

Segundo ele, a Caixa Econômica Federal fazia o serviço dos bingos sozinha, e foi com a privatização do serviço que surgiu a Gtech, empresa internacional acusada de irregularidades com o ex-assessor Waldomiro Diniz: “Nós consertamos a Gtech e vamos consertar os bingos”, afirma Dirceu, sem entrar em detalhes de como se resolverá o problema dos bingos depois de o presidente Lula ter comparado a legalização do jogo com a legalização da prostituição infantil.

Segundo Dirceu, o governo Fernando Henrique “desorganizou toda a estrutura legal do país e permitiu a maior ilegalidade que já houve, com os bingos funcionando sem regulamentação, facilitando a entrada do crime organizado e do narcotráfico”.

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