Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 15, 2004

MERVAL PEREIRA E na adversidade?


E na adversidade?

Mais uma imprudência dos petistas pôs o governo em polvorosa até o fim da noite de sexta-feira, tentando garantir que não houvesse mais assinaturas no pedido de CPI para apurar o caso Celso Daniel. Vários caciques políticos, como o senador Antonio Carlos Magalhães em seu escritório na Bahia, foram caçados pelo Brasil afora, alguns pessoalmente pelo chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, que voltou a operar à toda para apagar mais esse incêndio.

O irritado senador Tasso Jereissati, que na véspera detonara mais essa crise política em resposta a ameaças do líder do governo Aloizio Mercadante de fazer uma CPI sobre o SUS, sexta-feira, já no Ceará, achava graça das trapalhadas petistas. “Achava que eles simplesmente não se entendiam. Agora vejo que eles se odeiam”, comentava em tom irônico, chamando a atenção para as divergências do partido do governo.

As combinações políticas informais para baixar o nível de estresse político no Senado estavam bem encaminhadas quando Mercadante voltou a fazer ameaças à oposição, que se crispou. A CPI sobre o caso Celso Daniel não sairá, mas o desgaste político do governo será bem maior do que o do PSDB, na suposição de que uma eventual CPI sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) possa causar algum abalo à reputação do presidente nacional do partido, o ex-senador José Serra.

A ameaça de Mercadante é despropositada ao potencial dano que uma CPI desse tipo possa causar ao PSDB. Ao passo que a investigação sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo André é potencialmente explosiva. E até mesmo sua desmobilização, como está acontecendo nos últimos dias, suscita mais uma vez suspeitas sobre a necessidade de o PT querer barrar investigações que envolvem corrupção eleitoral.

Tema delicado para um governo que mal saiu de uma crise política causada exatamente por corrupção com vistas a financiamento de campanha eleitoral, e que deveria ser evitado pelos líderes do partido no Congresso.

Esse, aliás, é um dos principais problemas com que o presidente Lula e seu governo vêm se defrontando: a falta de sintonia entre as necessidades políticas do governo e os anseios da base parlamentar, capitaneada pelo próprio PT.

Quando o presidente do partido, José Genoino, insiste na tese de que o partido tem que se diferenciar do governo, está cometendo um equívoco que não é novo. Contrariando a máxima do ministro Palocci que prometeu cometer na economia apenas erros novos, sem cair nos antigos.

Volta e meia os petistas saem com a tese de que não podem ser apenas “correia de transmissão” das idéias do governo, e têm que defender teses próprias. Aparentemente faz nexo, mas na prática do dia-a-dia do governo, alimenta a dissidência e aumenta o nível de confusão dentro da administração pública.

O governo tem que ser mais amplo do que o PT, mas o PT não pode faltar com seu apoio ao governo. Cabe a ele, como principal fonte de sustentação política do governo — e por isso mesmo detentor da maior parte dos cargos federais, inclusive no Ministério — entender as razões das decisões governamentais e respaldá-las, mesmo que sejam contrárias às suas diretrizes.

Uma democracia de coalizão, como a que vivemos no Brasil, exige do partido governista uma compreensão mais ampla dos acontecimentos, e não é o que se está vendo no momento.

Mesmo alguns ministros insistem em discutir em público temas que são mais adequados aos círculos fechados do poder. Bater boca em público nunca foi prova de independência ou altivez, e estamos vendo chegar a hora em que Lula terá que reafirmar sua autoridade em cima de um desses ministros mais metidos a independentes, sob pena de vê-la ferida.

Há quem veja nessas trapalhadas sinais de que o PT não tem organização nem queda para ser governo, e já defenda uma ampliação do leque de apoio partidário, no que poderia ser um governo de “conciliação nacional”.

Já houve ocasiões em que governos fragilizados buscaram fora de suas bases o apoio necessário, como Collor quando tentou levar para dentro de seu governo o apoio dos tucanos. O governo Lula ainda não se encontra em situação de instabilidade que necessite de uma atitude radical como essa, e esse espírito de conciliação de certa maneira já existe, com a oposição “de cavalheiros” que PSDB e PFL fazem.

O que o governo precisa urgentemente é de mais eficácia administrativa e de uma operação política menos desastrada, que não realimente as crises. Diz-se a favor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que com ele as crises chegavam grandes e saíam pequenas do Palácio do Planalto.

Até agora, Lula não tem tido capacidade de reduzir as crises a seu tamanho natural, menos por culpa dele, mais pelo seu entorno político. Uma reacomodação das lideranças políticas no Congresso e uma nova reforma ministerial que dê mais substância ao governo devem estar a caminho a médio prazo.

Até que as eleições municipais mostrem como está o governo diante da opinião pública. A grande dúvida é saber como Lula se portará quando sua popularidade declinar, o que é inevitável.

Winston Churchill, ao ser chamado pelo rei George VI para substituir Neville Chamberlain como primeiro-ministro, no limiar da Segunda Guerra Mundial, disse em sua biografia que nunca dormiu tão bem como naquela noite. Lula não é nenhum Churchil. Mas também não estamos indo para uma guerra mundial.

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