Folha
RIO DE JANEIRO - Se seu organismo entrar em curto e precisar de socorro, evite que isso aconteça no domingo de Carnaval às 6 da tarde. É quando os blocos estão nas ruas e o espírito do "laissez faire" mais empolga o povo -o que torna as avenidas quase intransitáveis e difíceis de alguém se "laissez aller".
Vivi isso no último Carnaval. Eu e Heloisa estávamos em casa, assistindo num canal de clássicos a "Vampiros de Almas", o filme de Don Siegel, de 1956, em que vírus alienígenas põem terráqueos para dormir, confundem suas mentes e se apossam de seus corpos. Por artes do Diabo, eu próprio comecei a trocar as sílabas, apaguei e fui acometido de convulsões.
Agora, como deslocar uma massa de 100 kg, desacordada e crispada, para um hospital? Heloisa chamou o porteiro do prédio e o filho deste e um segundo porteiro. Mas eles não eram suficientes. Tiveram de convocar um rapaz que passava na rua, de camisa e chapéu de um bloco e chinelos. Com sua ajuda, puseram-me num carro e dali fui levado para o Miguel Couto e, depois, já em ambulância, para o São Lucas.
Em meio a toda essa jornada, houve uma segunda convulsão, com fratura múltipla do úmero, e uma série de ressonâncias, tomografias e punções, com o que se diagnosticou, a princípio, encefalite viral -algo que se pega no ar e toma o cérebro, como, por coincidência, os vírus de "Vampiros de Almas".
Nunca poderei agradecer a todos que telefonaram, escreveram ou foram ao hospital (um deles chegou antes de mim ao São Lucas!). Tento fazê-lo agora pelo jornal. Mas, e o folião que abandonou seu bloco para prestar socorro e sem o qual talvez eu não fosse removido a tempo? Ninguém sabe quem era. Apenas que, como Cinderela ao contrário, deixou para trás um par de chinelos -que, imagino, não voltará para pegar.