VALOR ECONÔMICO - 21/03/12
A crise da indústria brasileira está hoje no centro do debate nacional. Há razões conjunturais e estruturais por trás das dificuldades. As conjunturais, como o próprio nome diz, passam, mas são elas que animam o debate. As estruturais estão aí desde sempre, mas quase nada é feito para superá-las. O Brasil abandonou as reformas, perdeu a oportunidade de promover mudanças nos tempos de bonança e, agora, está pagando um preço alto.
O baixo crescimento das economias avançadas no pós-crise de 2008 derrubou os preços dos produtos industriais em escala global. Aliado às desvalorizações competitivas das principais moedas do planeta, esse fato motivou indústrias do mundo inteiro a despejar seus produtos, a preços baixos, nos mercados com maiores taxas de crescimento. O Brasil é um desses mercados.
O recente ciclo da economia brasileira pode ser dividido em dois momentos. No primeiro, de 2006 a 2008, o governo estimulou a demanda interna por meio de aumentos reais do salário mínimo e dos vencimentos dos funcionários públicos, da ampliação dos programas de transferência direta de renda e do incremento de investimentos públicos.
Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB), liderado pela taxa de investimento, acelerou ao ritmo de crescimento - de uma média anual de 3,34% entre 2003 e 2005 para 5,07%, entre 2006 e 2008. Em 2009, por causa da crise mundial, teve crescimento negativo de 0,33%. No período pós-crise, a média anual de expansão praticamente repetiu o desempenho anterior ao da turbulência - alta de 5,11%.
O problema é que, no período em que estimulou o aumento do consumo, o governo não preparou a indústria para atender à demanda crescente e competir com o produto estrangeiro. Na primeira metade do ciclo (2006-2008), a indústria cresceu a taxas elevadas. Como a demanda avançava no mundo inteiro, o foco dos produtores mundiais não era os emergentes. No pós-crise, a demanda interna, estimulada novamente pelo governo, continuou crescendo fortemente e a indústria local, pressionada pelos preços competitivos dos concorrentes estrangeiros, estagnou.
O descompasso entre demanda e oferta foi preenchido nos últimos dois anos pelas importações. Dados da Confederação Nacional da Indústria mostram que, em 2008, os produtos importados representaram 14,5% do consumo doméstico de bens industriais. No ano passado, saltaram para 18,5%.
Isso explica o fato de a indústria de transformação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ter reduzido a participação no PIB, no mesmo período, de 16,6% para 14,6%. Na primeira metade do ciclo, também esteve pressionada pela competição internacional, especialmente por produtos chineses, mas, a despeito de todo o zum-zum-zum sobre desindustrialização, manteve estável a fatia no produto (17%).
Em algum momento, as economias avançadas voltarão a crescer, o que certamente atenuará o problema da super oferta de bens importados no mercado brasileiro. Isso deve dar algum alento à indústria nacional, mas, se nada for feito, os problemas estruturais permanecerão e a produção local continuará à deriva em termos de competitividade.
A adoção de medidas tópicas tem efeito paliativo. As desonerações tributárias seletivas criam desequilíbrios que, no limite, podem provocar deslocamentos no setor industrial. Um empresário pode achar que, sendo mais barato produzir um determinado bem em vez daquele que já fabrica, é mais vantajoso mudar de negócio. A perspectiva de o Brasil se tornar um grande ator na produção mundial de petróleo, com possibilidade de desenvolver aqui uma indústria de equipamentos para o setor, já impõe desafios suficientes ao restante do setor industrial.
A agenda da competitividade da indústria, bem como de todos os setores da economia, é conhecida. Inclui medidas para aumentar a poupança doméstica; reduzir e simplificar a carga de impostos; ampliar a infraestrutura; diminuir os encargos trabalhistas e o custo de capital; investir em tecnologia e inovação; educar a população e qualificar a mão de obra; restringir a burocracia.
O que falta para tocar essa agenda é vontade política. Parte-se da ideia de que o brasileiro não quer reformas, o que é desmentido pela maioria dos eleitores, que elegeram o reformista Fernando Henrique Cardoso para dois mandatos e Luiz Inácio Lula da Silva para outros dois. No primeiro mandato, Lula promoveu reformas estruturais importantes (previdência do setor público, alienação fiduciária, lei de falências, etc). Infelizmente, no segundo ele não só abandonou o ímpeto reformista, como deixou pela metade o que começara a fazer.
Pouco se diz, mas a aceleração do crescimento nos últimos anos tem relação direta com as reformas concluídas por Lula entre 2003 e 2006. Entre 2007 e 2010, o ex-presidente optou pelo estímulo direto ao consumo, sem correspondente incentivo ao aumento da produtividade da economia. Mesmo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma iniciativa para aumentar o investimento em infraestrutura, se mostrou acanhado. A razão é simples: o PAC implica participação do Estado em vários empreendimentos e há restrições fiscais para isso. Melhor seria ter criado regras para estimular o investimento privado.
A ideia de resolver o problema estrutural da indústria por meio da desvalorização da taxa de câmbio nominal pode resultar inútil porque há uma tendência, no longo prazo, de apreciação do real graças a boas razões (o Brasil é, depois da China, o emergente que mais recebe investimento direto). Ademais, desvalorizar o câmbio artificialmente significa impingir aos mais pobres (beneficiários de programas como o Bolsa Família), via inflação, e aos trabalhadores, por meio da redução do salário real, o custo da salvação da indústria.
O maior de todos os riscos que o país corre neste momento é o governo, exasperado por causa da difícil conjuntura internacional, adotar medidas que desfaçam as conquistas macroeconômicas obtidas com grande sacrifício nos últimos 18 anos.
Entrevista:O Estado inteligente
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