O Estado de S.Paulo - 25/03/12
Alguns economistas olham para o desempenho medíocre da indústria e, depois, para os belos números do emprego no Brasil e concluem: "Aí está um paradoxo. Como a indústria patina e, enquanto isso, a economia vive ambiente de pleno emprego?". A propósito, sexta-feira, em São Paulo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, comemorou fato inédito: "O índice de desemprego no Brasil é o terceiro menor em todo o mundo".
Não há paradoxo. Há, sim, mais uma comprovação de que a indústria não tira proveito do aumento do consumo, turbinado pelo crescimento da renda e do crédito. Mais do que isso, o desempenho fraco da indústria já não abala o mercado de trabalho. Seis meses de desaceleração da atividade industrial e cortes de pessoal nos setores automotivo, de eletrodomésticos e têxtil não tiveram efeito negativo na criação geral de vagas. A desocupação no País continua abaixo dos 6,0% da força de trabalho (5,7%, em fevereiro).
Para o especialista em Economia do Trabalho Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), a indústria brasileira está mais vulnerável às mudanças do que a global. No mundo, a incorporação intensiva de automação nas linhas de produção e de tecnologia de informação provocou ondas de cortes de pessoal. No Brasil, esse impacto não vem sendo diferente. Mas, fora isso, a indústria se ressente demais de sua excessiva dependência do mercado interno e, neste momento, para reduzir custos, tem de recorrer às importações de insumos, peças e conjuntos - o que também elimina empregos.
Outro especialista da USP na matéria, o professor José Pastore adverte que o aumento da política protecionista por parte do governo, além de não ajudar a indústria a exportar, incapacita-a de atender ao mercado interno, em forte expansão. Assim, o aumento das importações tira ainda mais competitividade da indústria.
Como se vê no Confira, a mão de obra brasileira se concentra em serviços (6,7%, em serviços domésticos; 16,3%, a empresas; e 17,9% em outros, como encanadores, pintores, eletricistas, etc.), na construção civil (7,8%) e no comércio (18,9%).
Enquanto isso, a indústria emprega só 16,0% dos trabalhadores, fatia que diminui ao longo dos anos (em 2003, por exemplo, era de 17,6%). Em 2011, o setor só assinou 11,0% do 1,9 milhão de novas carteiras de trabalho. Serviços, construção civil e comércio forneceram nada menos que 82,3% do total.
Esta república sindicalista, que mantém fortes raízes metalúrgicas no ABC, tende a achar que todo emprego não proporcionado diretamente pela indústria é de segunda classe.
Para muita gente, postos de trabalho oferecidos pelo setor de serviços não deveriam nem figurar nas estatísticas: "É emprego mal remunerado para serviçais de condomínio, atendentes de call centers ou para atuantes em segurança privada", afirmou leitor desta Coluna - como se fossem ocupações de menor valor social e econômico.
E, no entanto, é nos setores de serviços, no comércio e na construção, cujas ofertas de vagas crescem entre 6% e 8% ao ano, que o emprego se expande no Brasil - e não na indústria. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA