A "importação de milhares de médicos", anunciada pelo Governo em desatinada resposta aos protestos das ruas, sustenta-se na premissa — falsa — de que aqui faltam médicos. Sabe-se que o Brasil conta com 1,95 médicos/1000 habitantes, índice próximo ao dos EUA (2,4) e Japão (2,2). Aprimorando o seu equívoco, resolveu o governo dispensar médicos estrangeiros que queiram participar do programa Mais Médicos de fazer o Revalida, exame criado para avaliar-lhes a competência e credenciá-los a exercer legalmente a profissão. Ao avalizar tal medida imposta pelo governo, vetando recurso interposto pela Associação Médica Brasileira, o ministro Lewandowski acrescentou mais uma particularidade: talvez sejamos o único país do mundo civilizado a permitir que os seus cidadãos sejam atendidos por médicos que não tenham apresentado qualquer comprovação de idoneidade profissional. Cabe aqui uma consideração ética: concordaria alguma dessas autoridades, incluindo o sr. Lewandowski, em entregar-se aos cuidados de um tal doutor?
À parte as preocupações éticas, ressaltem-se as implicações de ordem econômica: quanto custa um mau médico? Pelo seu despreparo transforma, com frequência, o portador de uma pequena disfunção em doente crônico, muitas vezes dependente da Previdência Social. Ou contribui para levá-lo ao óbito. O que um profissional preparado resolveria com rapidez e medidas simples, aquele outro converteria em problema sério, dependente de um sem número de exames dispendiosos, radiografias, tomografias, ressonâncias etc., solicitados sem critério algum e, em grande parte, dispensáveis. E, assim, um trabalhador é retirado de suas atividades e encaminhado à legião dos "encostados" do INSS. E a medicina torna-se cada vez mais cara e desumana.
Os problemas da má distribuição de profissionais da saúde são incompatíveis com soluções imediatistas e demagógicas. O reconhecimento da figura do médico tem sido a espinha dorsal de planos já propostos ao governo pelos órgãos representantes da categoria. Reclama-se a estruturação de uma carreira médica, a exemplo da jurídica e outras. Resguardando-se as peculiaridades de cada uma, as necessidades humanas essenciais de seus representantes têm traços comuns. Um juiz, promotor, por exemplo, ao ingressar na carreira, deve assumir o posto disponível em locais, às vezes remotos, que impõem ônus de natureza diversa. E o faz com a contrapartida de um salário decente e a possibilidade de, com certa previsibilidade, transferir-se para locais mais amenos, após período de sacrifício. Tivesse o médico semelhante tratamento, não existiria a situação calamitosa que aí está — criada pela inépcia dos governantes.
Entrevista:O Estado inteligente
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