A pressa de Dilma, por Ruy Fabiano
Pode-se acusar Aécio Neves de muita coisa, menos de ser bobo. Por isso mesmo, desconversou e tirou o time quando o PSDB decidiu lançá-lo precocemente candidato do partido à Presidência da República. Não que Aécio não o queira.
Nada o seduz mais, porém sabe que uma das mais elementares lições de política é não precipitar os acontecimentos. Candidato açodado apanha antes dos outros – e, portanto, apanha mais. Preferiu assim se resguardar para o tempo certo.
Já Dilma Roussef, com menor quilometragem no ramo, declarou-se candidata à reeleição. Mesmo que se tratasse de algo mais ou menos óbvio, sua recandidatura fora de hora deflagrou processos, dentro e fora de sua base, que não lhe convêm.
O primeiro deles é a própria sucessão presidencial. Quando alguém ocupando o cargo máximo do país se declara candidato, tudo o que faz (ou mesmo não faz) é imediatamente associado à sua candidatura.
Agora mesmo, está sendo acusada pela oposição (sim, ela de vez em quando aparece) de usar o cargo em prol de seu projeto eleitoral.
Dilma, na quarta-feira, foi à televisão anunciar a redução da tarifa de energia elétrica. Se não tivesse colocado sua candidatura na rua, a fala seria encarada como um gesto rotineiro de governo, embora seja cada vez mais rara uma boa notícia.
Mas ela é candidata e tudo o que faz, a partir de então, fica sob suspeita, contaminado por um projeto que já está nas ruas.
Mas a ação oposicionista, justamente por sua origem, é a que menos incomoda. É relativamente fácil refutá-la. A casa de marimbondos com que Dilma mexeu está em sua própria base.
A primeira consequência foi ferir e despertar o gigante Lula. Não que ele estivesse completamente adormecido.
Sabia do projeto de sua pupila, mas ainda o via submetido a circunstâncias que, no momento próprio – final deste ano, início do próximo -, pretendia pilotar. Lula, como se sabe, jamais descartou seu próprio retorno.
Chegou a dizer, mais de uma vez, que, se Dilma, na ocasião, estivesse em alta, seria a candidata; se não, não. Ou seja, essa candidatura dependeria de uma avaliação interna do PT, uma entidade também conhecida pelo nome de Lula.
Dilma, preocupada com o comportamento ambíguo do aliado Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco, decidiu pressioná-lo e declarar-se candidata.
Campos não revelou o teor da conversa, que vazou por assessores. Mas, nas declarações públicas, limitou-se a reiterar seu apoio ao governo federal e evitar a questão eleitoral.
É improvável que concorra ano que vem à Presidência, mas administra o suspense para valorizar seu cacife. Faz parte da coreografia política, que Dilma conhece pouco. Se conhecesse mais, não usaria tal munição, cujos estilhaços explodiram dentro do PT, partido que a trata com uma intimidade forçada.
Desde então, Lula voltou a ocupar a cena. Tornou-se, por iniciativa própria, consultor de governos.
Deu aulas de administração ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e ao próprio governo federal, na pretensão de orientá-lo quanto à política externa.
Não bastasse, se autoproclamou articulador político do governo, função que exige cargo ou mandato.
A articulação política do governo Dilma tem uma ministra incumbida de empreendê-la, Ideli Salvati. Lula ignorou-a, assim como ignorou a própria presidente, assumindo-se publicamente como seu tutor.
Caberia à presidente anunciar tal iniciativa, que só teria legitimidade se decorrente de uma nomeação para o ministério.
Lula, ao que parece, prescinde de cargos ou mandatos. É mais que um Pinheiro Machado na República Velha, que governava os presidentes. Machado ao menos tinha um mandato: era senador.
Lula é ex-presidente. Por mais popularidade que tenha, não tem delegação para governar. Mas o recado para Dilma é claro: se suas relações com a base aliada já não eram grande coisa, a partir de agora, dependem de Lula.
A sucessão já está deflagrada. E Dilma entra nela pela contramão. Mais que nunca, a oposição – Aécio à frente – deve ficar na moita, aguardando, como aconselhava Tancredo Neves, "a onda quebrar para examinar a espuma".
Ruy Fabiano é jornalista