Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 08, 2007

Os que vieram, os que ficaram e os que voltaram

Vidas paralelas


BRASIL

Kinko Yanai emigrou do Japão para o Brasil com o pai aos 10 anos de idade. Casou-se, mudou de sobrenome, teve filhos e netos no país e nunca mais viu a irmã...



Fotos Paulo Vitale
A QUE VEIO PARA O BRASIL
Kinko, 76 anos, foi colhedora de café, lavradora e dona de quitanda no interior de São Paulo. Hoje, aposentada, mora com o marido na capital paulista. O apartamento foi presente do filho caçula, formado em arquitetura


VEJA TAMBÉM

Nesta reportagem
Quadro: Linha do tempo
Brasil-Japão

"Meu pai herdou muitas terras do meu avô, mas herdou as dívidas também. Eu era criança e me lembro de que ia sempre gente em casa fazer cobrança – meu pai abaixava a cabeça, triste. Um dia, um amigo dele foi visitá-lo e ele ficou contente. O amigo o convidou para vir para o Brasil. Disse que ele iria juntar bastante dinheiro e conseguiria pagar as dívidas. Meu pai ficou animado, mas meu avô, não. Ele não queria que meu pai vendesse as terras. E minha avó tinha medo de que o filho morresse no navio e jogassem o corpo dele no mar. Ficou aquela discussão: vai, não vai. Até que minha mãe se cansou e falou para o meu pai: ‘Nós temos seis crianças aqui. Você pega as três maiores, leva com você para trabalhar no Brasil e junta o dinheiro para pagar nossas dívidas. Enquanto isso, eu fico aqui, cuidando dos três pequenos e das terras’.

"Nós fomos. Saímos do porto de Kobe e viajamos muitos dias. Tudo era novidade. Em Los Angeles, ficamos dois dias parados. Um grupo de negros foi lá para olhar a gente. Nós nunca tínhamos visto negros de verdade. Eles ficavam olhando espantados para nós e nós olhando espantados para eles. Foram 52 dias de viagem antes de chegar ao Porto de Santos. De lá, fomos para uma fazenda em Araçatuba, para colher café. O trabalho era duro. Toda noite, falávamos para o nosso pai: ‘Quando vamos voltar? Quando vamos ver a mamãe?’. A última vez que vi minha mãe foi na despedida, no porto de Kobe. Quando meu pai conseguiu juntar dinheiro para voltar, estourou a guerra. Os aviões não saíam do Brasil e as cartas pararam de chegar. Ficamos muitos anos sem notícias do Japão. Quando a guerra acabou, minhas duas irmãs já haviam se casado aqui no Brasil. Meu pai, então, disse: ‘Você volta comigo. Eu trouxe três filhas para o Brasil, tenho de devolver pelo menos uma para a sua mãe’. Só que, uma semana antes de o avião partir, um parente falou que eu não iria conseguir casar no Japão: tinha sido criada de forma diferente no Brasil e já tinha 18 anos. Era melhor me deixar aqui. Meu pai perguntou se eu queria ir ou ficar. Escolhi ficar porque já gostava do Mário (nome brasileiro adotado por seu marido, o também imigrante Atsushi Kamimura)."Casamos em 1955. Quando nasceram os dois filhos, deixamos o sítio e fomos para a cidade, para eles poderem estudar. Eu não queria que eles fossem como nós. Meu marido comprava verdura na cidade e ia de bicicleta vender nos sítios que só plantavam café. Com o tempo, conseguimos montar uma mercearia. Eu agradeço muito aos nossos fregueses, eles foram muito bons para nós. Graças a eles, pudemos juntar dinheiro para pagar o estudo dos filhos. O mais velho passou na faculdade de engenharia e o mais novo na de arquitetura. As duas eram em São Paulo e a de engenharia era particular. Então, tinha de mandar bastante dinheiro para eles, e só a mercearia não dava. Por isso, meu marido comprou uma Kombi e começou a vender verdura de porta em porta. Ele ia às 3 da manhã fazer compras na Ceasa. Deixava uma parte na quitanda para eu vender e levava o resto na Kombi. Trabalhava até as 10 da noite – sábado, domingo, feriado e Natal, não tinha descanso. Nossa maior vontade era formar os nossos filhos. E conseguimos. Eles terminaram a faculdade, casaram, tiveram filhos. Há três anos, o mais novo foi nos buscar em Araçatuba e comprou este apartamento para nós em São Paulo. Eu sou muito feliz. Agradeço a Deus por ter vindo para cá. No Japão, quando a gente é pequeno, os pais combinam com quem nós vamos casar. E estava combinado que eu iria casar com o meu primo, que morreu muito cedo. Então, hoje eu já seria viú-va! Em vez disso, casei com o Mário e tive essa família. Deus foi muito bom para mim."

Kinko Kamimura


ROMANCE NO CAFEZAL
Kinko e o marido, Atsushi Kamimura, que ela conheceu na fazenda em que ambos trabalhavam como colonos

Onde mora: em um apartamento de 50 m2, em São Paulo

Com quem mora: com o marido

Renda do casal: 1 600 reais mensais (aposentadorias mais o aluguel de uma casa)

Rotina diária: cuida da casa, faz ginástica, vai à feira, cozinha, costura e vê TV (telejornais, programas femininos e novelas)

O que faz nos fins de semana: recebe filhos, nora e netos para almoçar ou os visita

Religião: budista e xintoísta

Pratos preferidos: churrasco e feijoada

Diversão: bordar

Qualidades fundamentais no homem: "Ser trabalhador e saber cuidar da família"

Qualidades fundamentais na mulher: "Ser carinhosa com o marido, saber apoiá-lo e cuidar da casa"

Maior medo: "Ficar doente e dar trabalho para os filhos. Depois, ser assaltada"

Maior alegria: ter os filhos formados em curso superior (arquitetura e engenharia)

Maior tristeza: estar longe dos pais quando eles morreram, no Japão

Sonho não realizado: nenhum. "Eu sou muito feliz, está tudo bom"

JAPÃO

...Sakurai Yanai, que tinha 7 anos quando Kinko partiu. Sakurai permaneceu com a mãe no Japão, onde mora até hoje. Aqui, as irmãs contam suas vidas – de um lado e de outro do mundo

A QUE FICOU NO JAPÃO
Sakurai, 73 anos, viu a guerra de perto e cresceu com enxada na mão: trabalhou a vida inteira nas terras da família. Como enviuvou cedo e os filhos foram morar na cidade, hoje vive sozinha. E continua plantando

"Eu era muito pequena quando meu pai foi embora com minhas irmãs para o Brasil. Por isso, não fui me despedir deles no porto de Kobe. A única coisa de que me lembro é que, quando minha mãe voltou do porto, me trouxe uma mochila de presente. Era uma mochila de ir à escola. Acho que era para eu não ficar triste. Morávamos com os meus avós, pais do meu pai. Quando ele foi para o Brasil, os meus avós ficaram doentes. Então, minha mãe, que trabalhava no campo, plantando arroz, tinha de cuidar da plantação, dos filhos e dos meus avós. Naquele tempo, não existia máquina, era tudo na mão. E o único homem forte que havia na casa tinha ido embora. Ela era obrigada a dar conta de tudo sozinha. Sofreu muito. Meu pai disse que voltaria depois de um ano. Só que veio a guerra, atrapalhou tudo, e ele demorou nove anos para vir para casa. Durante a guerra, não pôde mandar cartas para nós. Minha mãe ficava muito amargurada, porque não sabia o que estava acontecendo com ele e com as outras filhas. Eu me lembro que, daqui de casa, dava para ver a fumaça das bombas que caíam em Koriyama. Comida não tinha muita. O arroz que nós plantávamos, o governo confiscava. Ia tudo para os militares. O que sobrava era batata, abóbora. Quando não tinha arroz, o militar levava também as batatas e as abóboras. Aí, minha mãe pegava umas raízes na mata e fazia sopa para nós.

"Só depois de a guerra terminar é que começaram a chegar cartas do Brasil de novo. Como faltava tudo aqui, às vezes meu pai mandava também sapatos e balas para nós. No dia em que ele voltou, nós estávamos esperando em casa com festa. Eu me lembro que estava na cozinha, ajudando a preparar a comida, quando ele apareceu na porta. Tomei um susto. Como só via meu pai nas fotos, pensava que ele era muito grande. Mas quando ele entrou, com uma porção de malas em volta, parecia tão pequeno!

"Eu me casei logo depois que ele voltou. Naquele tempo, não tinha namoro, os pais é que resolviam com quem nós iríamos casar. Meu pai viu meu futuro marido e gostou dele. Achou que era uma pessoa de bom coração e eu me casei. Durante o dia, meu marido trabalhava com leite e eu ficava em casa cuidando dos filhos. No fim da tarde, quando ele voltava do trabalho com o leite, íamos juntos para o campo: plantávamos trigo, cevada, milho. Tivemos três filhos. Meu marido não queria que eles trabalhassem no campo. Muitas famílias naquele tempo não deixavam o primeiro filho estudar, porque pensavam que ele tinha de continuar o trabalho dos pais na lavoura, mas meu marido achava diferente. Ele falou que agricultura não tinha futuro e que todos os filhos tinham de ganhar educação. Hoje, uma filha trabalha no banco, outra é contadora e o mais velho trabalha numa empresa em Koriyama.

"Como não tem ninguém mais para cuidar das terras, elas estão largadas. Arroz não tem mais. Eu planto muitas verduras: batatinha, cebolinha, cenoura, cebola, milho, pepino. Gosto muito de plantar, a vida inteira fiz isso! Planto para mim e o que sobra dou para os vizinhos e parentes. Os vizinhos me ajudam a arar a terra. O resto – semear, cuidar, colher – faço sozinha. Meu filho mais velho não quer saber do campo. Ele é um pouco mais novo do que o Sérgio, o caçula da minha irmã Kinko. O Sérgio veio estudar no Japão e ficou um tempo conosco. Trouxe muitas fotos de toda a família e do Brasil. Acho que o Brasil é um país muito grande. E também muito plano. Penso que deve ser parecido com Hokkaido (ilha no norte do arquipélago, com muitas florestas, rios e baixa densidade populacional). Quando penso na minha irmã, Kinko, eu me lembro de nós duas colhendo caqui. Éramos bem pequenas. Eu ficava com o nosso irmão menor no colo, ela balançava a árvore e o caqui caía. Nós sentávamos no chão e comíamos caqui juntas. Era um tempo bom aquele."

Sakurai Hashimoto


NO MESMO LUGAR
Sakurai, ao lado de uma cunhada e dois irmãos; atrás, a filha e a neta (de óculos), todos moradores de Koriyama

Onde mora: em uma casa localizada em um terreno de 990 m2 na cidade de Koriyama, província de Fukushima, no Japão

Com quem mora: sozinha

Renda: 37 000 ienes mensais de aposentadoria (cerca de 600 reais) mais ajuda do irmão

Rotina diária: cuida da plantação, conversa com as vizinhas, cozinha, faz compras na cidade e vê TV (novelas antigas japonesas)

O que faz nos fins de semana: recebe filhos, noras e netos para almoçar

Religião: budista e xintoísta

Prato preferido: frutas

diversão: fazer bonsais (miniaturas de árvores)

Qualidades fundamentais no homem: "Tem de ser sério e trabalhador"

Qualidades fundamentais na mulher: "Ser carinhosa"

Maior medo: "Ficar doente e incomodar a família"

Maior alegria: "Ver os filhos e netos com saúde"

Maior tristeza: a morte do marido, aos 67 anos de idade

Sonho não realizado: não tem nenhum. O único desejo é viver com saúde



BRASIL

O irmão foi ser operário no Japão. Ele ficou
e os pais
conseguiram pagar-lhe a faculdade

Fotos Paulo Vitale
O CAÇULA
Como ocorreu em boa parte das famílias nikkeis no Brasil, na dos Oya, só o filho mais novo chegou à faculdade. Formado em desenho industrial, Cláudio hoje é dono de uma pequena empresa do ramo

"Meus pais se conheceram na fábrica da Mitsubishi, em Kanagawa, no Japão, onde trabalhavam como operários. Assim que eles casaram, vieram para cá. Meu pai continuou trabalhando como operário numa fábrica na Vila Aricanduva, em São Paulo. Em casa, só falávamos japonês e só comíamos comida japonesa. Mas, fora de lá, eu ficava constrangido de falar japonês. Os amigos gozavam. Lembro que, quando estava brincando na rua e minha mãe me chamava para entrar, eu dizia: ‘Tchoto mate!’ (Daqui a pouco!). Era o que bastava para os amigos tirarem um sarro: ‘Que tomate, o quê!’. Eu ficava com vergonha, mas minha mãe não falava português, não tinha jeito. Em 1980, meu pai já trabalhava como projetista na Volkswagen, em São Bernardo. Até hoje ele tem dificuldades em falar português, mas é muito bom com números. Por isso, conseguiu a promoção. Mudamos de casa e passamos a estudar em uma escola particular. Só que, em 1985, meu pai saiu da Volks para tentar montar uma confecção de roupas de bebê. Esse período foi difícil, mas eu só soube disso bem mais tarde. Naquele tempo, eu tinha uns 13 anos e não tinha noção da dificuldade dentro de casa. Tanto que me lembro de sentir orgulho por comer mais do que o meu irmão, que era maior do que eu. Hoje, eu sei que minha mãe deixou algumas vezes de comer para que eu pudesse comer mais. Japonês é muito calado, não fala de problemas. A pedido da minha mãe, meu pai voltou a trabalhar na Volks.

"Nessa ocasião, o Jorge passou no vestibular – só que a faculdade era particular e meus pais não podiam pagar. Foi aí que ele resolveu ir para o Japão. Quando me disse que ia, a primeira coisa que pensei foi: ‘Que bom, agora vou ter um quarto só para mim’. Nós sempre dividimos o quarto. Eu não tinha noção do que significava ele ir para o Japão. Só no dia em que embarcou, é que a ficha caiu e eu percebi que estava perdendo o meu irmão. Chorei. Era o meu único irmão! Foi há mais de vinte anos, mas eu me lembro bem desse dia. A volta para casa do aeroporto foi um silêncio só. A pena é que ele foi embora justamente na hora em que nós estávamos nos aproximando. Como temos cinco anos de diferença, até ali as turmas e os interesses eram outros. Mas a gente estava começando a se integrar. Tanto que a primeira vez que fui a um baile à noite foi ele quem me levou.

"Depois que o Jorge foi embora, fiquei muito apegado aos amigos dele. Em 1991, entrei na faculdade. Fiz desenho industrial, uma área que sempre adorei. Meu pai não entendia muito o que era isso, mas sempre foi, até certo ponto, bastante liberal. Ele sempre dizia: ‘Você pode fazer sempre o que quiser, desde que não esqueça duas coisas. A primeira é que você carrega o meu nome. A segunda é que você vai ter de se responsabilizar pelas suas escolhas’. Eu acho que eles só puderam pagar a minha faculdade, que também foi particular, porque o Jorge havia ido embora e as despesas diminuíram. Eu me formei e logo comecei a trabalhar. Resolvi investir em comunicação visual e cheguei a fazer um estágio no Japão, em 1996. Fiquei um ano e, na volta, montei minha empresa. Começou no fundo da casa dos meus pais. Hoje, já está bem maior. Em 2003, eu me casei. Em 2004, compramos nosso apartamento. Meu primeiro filho nasceu há cinco meses. O caçula do Jorge está para chegar por esses dias (ele nasceu pouco depois da entrevista, em 4 de outubro). Os dois vão ter praticamente a mesma idade. Isso para mim é muito triste: não poder acompanhar o crescimento dos filhos do meu irmão, meu irmão não poder ver o crescimento do meu. Como meus pais não tinham parentes no Brasil, nós nunca tivemos primos. E, infelizmente, com os nossos filhos vai ser a mesma coisa.

"Eu e minha mulher tínhamos planos de morar no Canadá. A idéia era viver em um país em que não houvesse essa insegurança. Muitos amigos comentam que, no Canadá, você paga impostos altos, mas tem serviços de altíssima qualidade, é respeitado e a violência não existe. No Japão, não tenho vontade de morar. Primeiro, porque minha mulher acha o povo de lá frio, sistemático. O outro motivo é que, pelo fato de eu ter nacionalidade japonesa e falar a língua, sinto que as pessoas esperam que eu pense e aja como um japonês. E eu me sinto brasileiro – pelo menos quando estou lá."

Cláudio Oya


TOQUE ORIENTAL
Cláudio com a mulher e o filho, no bairro da Liberdade, onde fica a sua empresa. No fim de semana, ele toca taiko, o tambor japonês

Onde mora: apartamento de 52 m2, em São Paulo

Com quem mora: com a mulher e o filho de 5 meses

Renda mensal da família: 7 000 reais

Rotina diária: acorda às 5h30, trabalha das 6h30 às 19h, ajuda a mulher a cuidar do filho e a fazer o jantar, vê TV (telejornal e filmes) e navega na internet

O que faz nos fins de semana: treina e ensina taiko (instrumento japonês de percussão); aos domingos, almoça na casa dos sogros

Religião: não tem

diversão: tocar taiko e organizar um arquivo de vídeos da família

Pratos preferidos: sushi e feijoada

Qualidades fundamentais no homem: "Ser respeitoso e atencioso com a família"

Qualidades fundamentais na mulher: "Ser respeitosa, carinhosa e dedicada"

Maior medo: da morte

Maior alegria: ver o sorriso do filho

Maior tristeza: não ter o irmão por perto

Sonho não realizado: o de morar no Canadá

JAPÃO

Jorge queria ser dentista. Hoje, chefe de seção numa
fábrica em Saitama, não pretende voltar para o Brasil

"Eu queria fazer odontologia e, depois de três anos de cursinho, consegui passar em uma faculdade em Alfenas, Minas Gerais. Fiquei contente, mas, quando fiz as contas, vi que não iria dar. Era uma escola particular, e o valor da soma da mensalidade e da despesa que meu pai teria com a minha acomodação era mais alto do que o salário dele. Meu pai ficou bravo: ‘Não falei para você pegar a USP? Eu não vou mais pagar cursinho para você. O que é que você vai fazer agora?’. Eu pensei: ‘Meu pai saiu do Japão e fez a vida dele no Brasil. Eu posso fazer o mesmo: vou para o Japão e batalho lá’. No início, meu pai não me apoiou: ‘Uma pessoa que não dá certo aqui não vai dar certo no Japão’. Mas eu insisti porque, pelas conversas que ouvia dos amigos do meu pai, o Japão era um país onde, se você trabalhasse certinho, honestamente, você conseguiria fazer a sua vida. E, no Brasil, eu sabia que não iria ter futuro para mim. Meu pai, então, falou: ‘Se você quer mesmo ir, vai, mas só volta quando aprender a ler um jornal japonês’.

"Chegando aqui, fui trabalhar numa fábrica de móveis onde já trabalhava um tio que eu não conhecia. Fiquei morando no alojamento da empresa. Era um lugar bem velho, meio sujo. Tirando os quartos, só tinha um galpão enorme, velho também, com uma televisão no fundo. Lembro que passei uma noite de Natal nesse galpão e cheguei até a chorar. Mas tinha muito serviço naquele tempo. Cheguei a trabalhar das 8 da manhã às 11 da noite, durante três meses, todos os dias, incluindo sábado e domingo. Em um único mês, ganhava 600 000 ienes (5 500 dólares). Mas não guardei nada, sem–pre gostei muito de sair. Quando es-tava aqui havia oito anos, a empresa fechou. Desanimei: ‘Então, aqui é a mesma coisa que no Brasil. Você batalha, batalha e a empresa fecha?’. Pensei em voltar para o Brasil. Já namorava a minha mulher na época e achei que ela não iria querer me acompanhar. Quando perguntei, ela disse: ‘Aonde você for, eu vou’. Aí, eu pensei: ‘É com essa mulher que eu quero casar’. Mas aconteceu uma coisa: lembrei que, quando era pequeno, ouvi muitas vezes minha mãe dizendo para o meu pai que queria voltar para o Japão, porque ela não entendia o que as pessoas falavam no Brasil. Não queria que a minha mulher passasse pelo que minha mãe passou. Foi aí que resolvi ficar definitivamente no Japão e casar com ela.

"Há dez anos, consegui comprar esta casa. Quer dizer, estou pagando ainda, mas ela vai ficar para os meus filhos. Hoje, trabalho para uma empresa de cosméticos e sou chefe de seção. Tomo conta de vários brasileiros. Mas agora, para subir na empresa, eu precisaria saber ler e escrever em japonês. Então, coloquei na cabeça que preciso aprender. Senão, vou ficar parado onde estou. Há alguns meses, eu me matriculei em uma escolinha aqui perto de casa. Vou para lá depois do trabalho na firma. Fico lá, no meio das crianças, mas não me importo. Também existe outro motivo, que são os meus filhos. Minha filha mais velha já está aprendendo a ler e a escrever e eu não quero ser um analfabeto para sempre. Embora eu esteja bem aqui no Japão, às vezes fico dividido por causa dos meus pais. Quando fui ao Brasil para o casamento do meu irmão, perguntei ao meu pai se ele estava triste pelo fato de eu ter vindo morar no Japão – porque, falando francamente, eu não quero mais voltar para o Brasil. Ele me disse que, agora que eu tinha filhos, eu iria compreender que os pais se sentem mais satisfeitos com o filho longe e feliz do que com o filho perto e infeliz. Isso me deixou aliviado."

Jorge Oya




Fotos reprodução/Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil
Certifica.com
CHURRASCO AOS SÁBADOS
Jorge com a família, em frente à sua casa. No fim de semana, o programa é "assar uma carninha" no quintal

Onde mora: casa própria, de 100 m2, na província de Saitama, no Japão

Com quem mora: com a mulher e três filhos

Rotina diária: acorda às 6 h, trabalha das 8h às 18h ou 19h, janta, ajuda a mulher a cuidar do bebê, dá banho nas filhas e vai para o computador

O que faz nos fins de semana: quando não trabalha aos sábados, faz churrasco e ajuda a mulher nas compras. Aos domingos, joga beisebol ou passa o dia na casa dos sogros

Pratos preferidos: sushi e churrasco

diversão: beisebol

Religião: não segue nenhuma

Qualidades fundamentais no homem: "Ser trabalhador e atencioso para com a família"

Qualidades fundamentais na mulher: "Dedicação ao marido"

Maior medo: solidão

Maior alegria: chegar em casa e encontrar os filhos

Maior tristeza: a morte do primeiro filho, aos 10 meses

Sonho não realizado: ter convivido com com os avós


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