A obsessão reguladora da Comissão Européia
já virou piada entre os cidadãos do bloco
Duda Teixeira
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A União Européia é uma forma inédita de as nações cooperarem entre si na economia, na política, na cultura e na área social. Os 27 países que fazem parte do bloco continuam a ser soberanos e independentes, mas delegam parte de seus poderes em algumas questões de interesse comum a um governo supranacional, a Comissão Européia. Essa complexa forma de administração funciona surpreendentemente bem – mas tem lá seus efeitos colaterais. O mais notável é a gorda burocracia criada para garantir padrões únicos de higiene, saúde e segurança aos cidadãos europeus. Com sede em Bruxelas, a Comissão Européia tornou-se um monstro cuspidor de papéis, com compulsão por regulamentar cada aspecto da vida de seu quase meio bilhão de habitantes. Os técnicos da comissão pecam pelo excesso de zelo. Entre 1998 e 2004, os 40.000 bem-intencionados funcionários do governo europeu produziram 18.000 leis para definir desde os tipos de pepino (classificados pelo tamanho) até o nível de ruído ao qual um músico de orquestra pode ser exposto durante um concerto (veja quadro abaixo).
A fúria regulatória fez surgir entre os europeus um tipo de anedota, os euromitos, para satirizar os burocratas de Bruxelas. Para evitarem confusões na opinião pública, os dedicados funcionários reuniram, na página da Comissão Européia na internet, 166 euromitos, devidamente organizados por ordem alfabética. Dessa forma, fica-se sabendo que não é verdade que esteja nos planos da comissão padronizar o tamanho dos preservativos, proibir bananas de formato demasiadamente curvo ou substituir a denominação iogurte por "pudim fermentado de leite". A lista acabou por ajudar a difundir as piadas e deu destaque ao absurdo de algumas resoluções verdadeiras. Uma medida de 1994, por exemplo, estabeleceu que, para serem vendidas no continente, as bananas devem ser "livres de malformações ou curvaturas anormais". A discussão sobre a padronização do iogurte foi realmente iniciada em 2003, mas logo descartada.
Dois anos atrás, a Comissão Européia elaborou um plano para suprimir leis inúteis e reduzir a burocracia. Desde então, foram descartados setenta projetos de lei há muito paralisados ou esquecidos devido a sua inutilidade. Entre eles existiam normas que regulamentavam o peso das embalagens de café e uma que levava o pomposo nome de Diretrizes de Harmonização das Determinações sobre a Limitação do Transporte de Mercadorias Através de Fronteiras. Seu objetivo: permitir o tráfego de caminhões aos domingos. Exageros e aberrações à parte, as decisões tomadas em Bruxelas em geral são eficazes. "Apesar de alguns tropeços, a União Européia está fazendo algo que no futuro terá de ser imitado por países de outras regiões: uniformizar normas e regras para melhorar as condições do comércio internacional", diz o advogado paulista Jorge Nemr, especialista em direito comercial. Alguns membros do Parlamento europeu propuseram recentemente um plano para reduzir em 25% as despesas administrativas causadas pela burocracia. Nos próximos seis anos, isso resultaria em uma economia de 1,3 bilhão de euros. Nem tudo, no entanto, depende só de Bruxelas. Calcula-se que metade dos custos da Comissão Européia com burocracia se deva a medidas tomadas pelos próprios países-membros.
Montagem sobre fotos de David Çees/Getty Images - Aijaz Rahi/AP - Berthold Stadler/AFP - Christopher Pillitz/Getty Images - Divulgação