Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 18, 2007

"Foi aquela azeitoninha..." - Vinicius Torres Freire




Folha de S. Paulo
18/12/2007

Fim da CPMF e ministro que não inspira confiança azedam ambiente, mas gastos, inflação e risco externo pesam mais

FAZ UNS anos, passava na TV um comercial meio "trash" de remédio para indigestão. Uma gente aparecia a fazer esgares, com a mão na barriga, depois de haver se empanturrado à la Gargântua, e dizia "puxa, se eu não tivesse comido aquela azeitoninha a mais...".
A queda da CPMF na semana passada é um pouco mais que uma azeitona, talvez uma empadinha meio passada, a cair mal no papo do mercado, o que resultou no mais recente tumultozinho financeiro no Brasil. Talvez a empada estivesse podre, o que se vai saber só quando o governo explicar sua nova receita de impostos e de corte de gasto, o Orçamento refeito depois da queda da CPMF.
A presente crise de indigestão não se deve apenas ao fim do imposto. O mal-estar deste final de ano começou com a preocupação com a alta de preços, que vem de quatro ou cinco meses. No mercado, a taxa de juros e de juros futuros sobe faz semanas. A expectativa de inflação piorou, o BC está pessimista.
A idéia de que os juros vão subir e que outros indicadores financeiros vão piorar deveu-se ainda, em parte, ao fermento da crise financeira euroamericana. Não se sabe bem o nível da contaminação, nem quais os canais pelos quais ela se transmitirá: apenas por uma recessão nos EUA e baixa geral no crescimento do planeta e/ou pela redução mais violenta do fluxo de investimentos externo, por exemplo. De qualquer modo, a confusão americana ainda deve durar meses, no melhor dos casos.
Mas a azeitona ou a empadinha extra encobrem outros problemas da vítima de indigestão. Caiu a ficha de que as contas públicas ainda estão em desordem e que o governo é glutão e come mal. Mesmo em período de bonança, o governo não se preocupou em poupar para o futuro, controlando gastos e dívida.
Sim, há a política. Confusão política produz incerteza. Instituições financeiras e investidores não gostam de incerteza, que resulta em aumento do risco de perder dinheiro, pelo qual cobram mais. De resto, o aumento de impostos pode tornar os negócios ainda mais disfuncionais e pesar no custo de produção (o que pode injetar inflação na economia). Simples assim. A Bolsa ficará nervosa, estrangeiros vão repensar um tico o risco de crédito brasileiro, já ficou mais caro tomar dinheiro. Abriu-se um buraco no Orçamento federal. Risco de mais dívida e de impostos ruins encarecem o crédito.
Em si um problema, torna-se algo pior, uma crise de credibilidade, se o ministro da Fazenda, como é seu costume, fala à matroca, lança balões de ensaio, divulga projetos em discussão que mal conhece e parece não saber o que fazer. A credibilidade do ministro foi desbastada até virar um caroço de azeitona, o penúltimo talho tendo vindo do próprio presidente da República. O ministro da Fazenda, aliás, poderia ganhar uma embaixada em Roma.
O ambiente é, por ora, de incerteza maior, o que não é bom, claro. Dá para remendar. Se o remendo for seguido de terapia e plano de médio prazo (até o final de Lula 2), melhor.
Porém adicionaram mais dúvidas a um cenário de risco feio de recessão nos EUA, gasto público ainda muito ruim, dívida altíssima e inflação nervosa. Empurraram mais uma empadinha passada na nossa goela.

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