Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Entrevista :'Nunca vi isso na história recente do Brasil'

MARCO ANTONIO VILLA:'Nunca vi isso na história recente do Brasil'

Adauri Antunes Barbosa
O Globo
14/12/2007


A reprovação da CPMF no Senado foi a maior derrota política dos cinco anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na avaliação do historiador Marco Antonio Villa. Segundo ele, o governo estava mal acostumado com a folgada maioria que sempre teve no Congresso e não negociou como deveria.

Que avaliação o senhor faz da derrota do governo na votação da CPMF?
MARCO ANTONIO VILLA: Foi a maior derrota política dos cinco anos do governo Lula. E o maior derrotado, primeiro, foi o Lula. Segundo, o ministro da Fazenda (Guido Mantega), e também o da Articulação (José Múcio), que não articulou nada. Foi uma derrota acachapante. Ele (José Múcio) assumiu há pouco tempo, mas sofreu uma derrota histórica, assim como os líderes do governo no Senado, Roseana Sarney e Romero Jucá. O presidente, inclusive, chegou a escrever uma carta, o que nunca vi na história recente do Brasil...

Um gesto inédito, que não surtiu efeito?
VILLA: Estranho. Realmente não conheço. Nunca vi um presidente, para aprovar uma medida no Congresso, enviar uma correspondência e, mesmo assim, não conseguir aprovar a medida. No caso do Brasil é a primeira vez. Isso queimou ainda mais a autoridade do presidente da República.

O que levou o governo à derrota?
VILLA: De um lado o governo desprezou, achou que a vitória na Câmara já era suficiente, que ia ganhar no Senado. Com alguma dificuldade, mas ganharia, então não precisava negociar. Quando acordou e viu que precisava negociar, notou duas coisas: que sua base não era sólida tal qual imaginava e que precisava de votos na oposição. E, na hora em que foi conversar com a oposição, demonstrou que não sabe negociar. No começo da negociação ele quer que o adversário já diga sim.

No que o governo poderia ceder?
VILLA: Ceder em pontos que a oposição achava fundamentais. Até para justificar aos seus eleitores por que cedeu. Mas o governo não cedeu e manteve-se com a proposta inalterada. Se cedeu às 22h30m, dizendo que todos os recursos da CPMF iriam para a saúde, a pergunta que ficou no ar é por que, no começo das negociações, não apontou para isso? Mas o governo parece que não tem por hábito a negociação.

Por que não?
VILLA: Não tem porque obteve vitórias muito fáceis ao longo dos cinco anos. Teve uma base confortável e com essa base não precisava negociar. Quando pela primeira vez precisava negociar, viu-se que não sabia fazer e acabou derrotado.

O que pode acontecer daqui para frente?
VILLA: Se os números divulgados forem verdadeiros, o governo vai ter ou de cortar gastos ou aumentar os impostos. Se aqueles dados forem verdadeiros, vai faltar dinheiro. O governo não vai ter recursos suficientes, afinal R$40 bilhões são R$40 bilhões. Agora, é possível que tenha exagerado na previsão das perdas. Vamos ver o que faz a oposição. O governo percebe que a oposição teve uma vitória significativa. Pesquisas mostram isso. A população não agüenta mais esse volume de impostos. Isso já virou um tema político-eleitoral.

A derrota do governo pode repercutir nas eleições municipais do ano que vem?
VILLA: Na eleição municipal, creio que não. Apesar de ter a presença de temáticas nacionais, a esfera local acaba sendo predominante. Pode ter repercussão na relação do governo com o Congresso Nacional. O governo vai ter de reavaliar sua relação com o Congresso. A prática do "é dando que se recebe", adotada também por este governo, que não é o único a fazer isso, assim como já fizeram outros, parece que tem um limite. E o limite é a derrota na proposta de renovação da CPMF.

O "dia seguinte" será trágico para o país?
VILLA: A gente sempre imagina que o Brasil vai acabar. Mas não, o dia seguinte vai continuar normalmente. O governo vai cumprir suas metas de superávit primário, vai ter de cortar algumas despesas, realocar alguns gastos. Mas isso não vai alterar o equilíbrio macroeconômico, como chegou a ser dito. Desenharam um quadro que parecia que o Brasil ia acabar. Isso faz parte do jogo político. Mas acho que vai continuar tudo seguindo, como a economia já deu sinais de que há um crescimento significativo. A popularidade do presidente é ótima.

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