De um lado, entre os governistas, o pacto foi obedecido como manda o figurino para não aumentar o já robusto perigo de rejeição da emenda constitucional que prorroga a CPMF até 2011. Como foi noticiado à exaustão semanas a fio, se Calheiros fosse cassado, a vingança dos seus companheiros de PMDB que lhe são leais (em alguns casos, melhor não perguntar por que) poderia ser terrível - para o Planalto. Numa questão vital para o presidente Lula, em que cada voto conta, compreende-se a aflição que o levou a apoiar o esquema de resgate do aliado - que não teria condições de prosperar se ele não renunciasse ao comando do Senado. Renunciasse previamente, bem entendido. Foi o que ele prometeu que faria se o poupassem no primeiro julgamento, em setembro, pela acusação, com que tudo começou, de que um lobista pagava as suas despesas extramatrimoniais, presumivelmente com dinheiro da empreiteira para a qual trabalha. Absolvido por 40 votos mais 6 abstenções, esqueceu-se da promessa.
De outro lado, e não só entre governistas, o combinado foi cumprido porque muitos sabiam que não poderiam atirar a primeira pedra. Afinal, o segundo processo a chegar ao plenário expôs Calheiros como sócio oculto na compra de duas emissoras de rádio e de um jornal em Alagoas. A acusação - do seu antigo parceiro, o ''''coronel'''' João Lyra - era tecnicamente mais forte que a anterior. Nessa não ficou esclarecida a procedência do dinheiro com que o lobista pagava à ex-amante do amigo. Agora, além desse testemunho pessoal e da identificação dos laranjas atrás dos quais Calheiros se escondeu, a ofensa ao decoro parlamentar envolvia um ilícito até mais sério - a Constituição proíbe que detentores de mandatos eletivos sejam concessionários de serviços públicos, como os de comunicação eletrônica. Mas aí é que está a encrenca: este jornal revelou recentemente que pelo menos 23 senadores estão no negócio de rádio e TV. Seria o caso também do possível sucessor de Calheiros, Garibaldi Alves (PMDB-RN).
Quantos outros ele poderia entregar se fosse ''''condenado à morte'''', com a privação dos direitos políticos até a eleição de 2022? Daí, a sessão de anteontem do Senado ter sido o que dela disse o gaúcho Pedro Simon: ''''Isso aqui não parece julgamento. Está todo mundo falando de tudo, menos apresentando acusação e defesa.'''' Pois claro. Não estava na ordem do dia absolver ou condenar um réu, mas descriminalizar a sua conduta. Senador que possui rádios, TV e jornal não quebra decoro.
Os seus colegas só faltaram reprisar a constrangedora fila de cumprimentos que formaram depois que, da cadeira de presidente, ele jurou inocência pela primeira vez, já lá se vão intermináveis seis meses. Muitos desses colegas jamais serão conhecidos. Na véspera da decisão, o interino Tião Viana advertiu que, ao contrário da posse de rádios, TVs e jornais, revelar o voto em votações secretas é quebra de decoro. Consumado o vexame, Calheiros e os seus amigos, que não se escondem, reunidos na casa do soba José Sarney, patrono do arranjo, debochavam, às gargalhadas, do relator Jefferson Péres, que pedira a cassação. Eles não debochavam da pessoa do senador. Debochavam dos seus princípios éticos e debochavam, principalmente, dos eleitores que os mandaram para o Senado.
Eles são assim - debochados.