Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 13, 2007

As oposições, a negociação e o cesarismo caboclo

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“Em qualquer democracia digna deste nome, a oposição, ao votar contra uma proposta do governo, não fecha os olhos ao interesse nacional. A oposição deixou isso claro ao ajudar na aprovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e manifestar disposição para retomar as negociações como governo no futuro imediato".

"Vamos discutir com muita humildade. O governo precisa dizer o que quer e o que pode fazer, mas não podíamos votar daquele jeito, sob pressão. Queremos discutir a CPMF, estou pronto para começar a discutir isso hoje, mas tem que ser na reforma tributária".

As primeiras aspas são do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em nota (ver abaixo). As outras são do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), que foi ontem o comandante da posição dura do partido em favor da derrubada da contribuição.

Dizer o quê? Ambos estão certos. Como já escrevi aqui, a carta de Lula ao presidente do Senado foi um aceno para a negociação com a oposição. Era para valer? O governo quer mesmo fazer uma reforma tributária, conforme vinha anunciando? Pois, então, que se debata o financiamento da Saúde no bojo da dita-cuja. É assim que se faz. O governo quer mesmo conversar? Pois, então, que seja na base do respeito, não da bravata. A democracia brasileira foi reconstruída com esse sistema de pesos e contrapesos políticos, não? Lula e o PT é que decidiram romper o padrão, criminalizando o dissenso — o que, admita-se, FHC nunca fez.

Leiam isto: “Por que é tão grave a extinção da CPMF sem reforma tributária? Porque diminui o crescimento econômico e os investimentos públicos, lança dúvida sobre a estabilidade política e sobre os rumos do país. Esse era e é o objetivo da oposição: lançar o país numa rota de insegurança e instabilidade.” Quem é o autor? José Dirceu. Não se enganem: ele continua a ser uma voz forte no PT. O homem certamente fala a partir de si mesmo, não é? Quando combateu, sei lá, o Real, a CPMF e as privatizações, o patriota José Dirceu queria o quê? “Lançar o país numa rota de insegurança e instabilidade”.

Ontem, tanto o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), como o do DEM, José Agripino (RN), afirmaram a disposição de conversar com o governo. E têm de conversar mesmo. Uma conversa entre forças opostas, porém que se respeitam. É isso o que o governo quer? Se for, estou certo de que encontrará interlocução.

Lula, como dizem seus porta-vozes informais, vai partir para a demonização das oposições, para a retaliação? Se o fizer, quem perde não é o PSDB, não; não é o DEM, não. Perde o país. Se o debate se fizer no ambiente de uma reforma tributária, ganha a democracia.

E é por isso que eu aplaudi, sim, a derrota do governo. Aplaudi a derrota desse cesarismo cabloclo.

Íntegra da nota de FHC

A decisão do Senado Nacional sobre a CPMF foi importante para repor em termos mais adequados a relação entre o Executivo e o Legislativo, bem como para mostrar que, em qualquer democracia digna deste nome, a oposição, ao votar contra uma proposta do governo, não fecha os olhos ao interesse nacional. A oposição deixou isso claro ao ajudar na aprovação da DRU e manifestar disposição para retomar as negociações com o governo no futuro imediato.

Era evidente, há tempos, que a cidadania cansou de pagar tributos, ainda mais agora, em um momento em que a conjuntura econômica e a situação das finanças públicas permitem avançar na discussão racional da receita e do gasto dos governos. E quanto mais avançarmos nessa direção, maior poderá ser a queda das taxas de juros, ainda muito elevadas. O governo parece não ter compreendido esse fato.

Olhando para frente, o mais importante a salientar é que chegou a hora de colocar, na ordem do dia, a reforma tributária (e fiscal, porque não se pode discutir a receita sem debater o gasto). É o momento de governo e oposição, pensando no Brasil, deixarem de lado as picuinhas e se concentrarem na análise e deliberação do que é necessário fazer para, ao mesmo tempo, ainda que com gradualismo na implementação, conciliar os dois lados de uma só e mesma equação: de uma parte, aliviar a carga tributária e melhorar a qualidade do nosso sistema tributário, para aumentar a capacidade de crescimento do país; de outra, assegurar recursos para a saúde e as demais áreas sociais, não apenas no nível federal, mas, sobretudo, no nível estadual, como demandam, com razão, os governadores.

Fernando Henrique Cardoso

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