Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Acordo bem-vindo



EDITORIAL
O Globo
21/12/2007

A aprovação da DRU - dispositivo legal que permite ao governo administrar livremente 20% dos recursos orçamentários -, com apoio maciço da oposição no Senado, é um ponto alto num ano político que transcorreu sob o espírito do baixo clero (fisiologismo, Renan Calheiros e assim por diante). O desfecho da votação se deveu a uma negociação entre o Palácio, o PSDB e o DEM sobre o conjunto de medidas que o governo tomará para compensar os R$40 bilhões subtraídos do Orçamento a partir de 2008 pela extinção da CPMF.

O discurso oficial catastrofista em torno da supressão do malfadado imposto já havia sido deixado de lado logo após a derrota do governo na tentativa de prorrogar o gravame. Agora, foi desativado de vez. Em troca do apoio da oposição, o Planalto adiou qualquer medida sobre o assunto para a partir de fevereiro e reafirmou o compromisso de que não haverá criação ou aumento de impostos. E que tudo será tratado previamente com a oposição, acenando com uma coabitação de que a democracia brasileira só tem a ganhar.

Pressionado pelo reposicionamento do PSDB como partido de oposição, por força da acertada tomada de rédeas feita pela bancada tucana no Senado, contra interesses de governadores da legenda, o Planalto dá animadores sinais de que também sabe negociar a partir de idéias e projetos. O compromisso presidencial, porém, precisa ser levado a sério também pelos que costumam apresentar a Lula idéias políticas e econômicas heterodoxas, algumas destinadas a manter o confisco crescente da renda da sociedade, para transferi-la a um Estado pretensamente justo, incumbido de redistribuir os recursos supostamente a favor dos pobres. Na realidade, uma fórmula infalível de estagnação econômica e social.

Não deve escapar a esses círculos que, se o acordo for rompido, o governo sempre esbarrará no Senado, onde, com apoio majoritário da sociedade, foi aberta uma trincheira contra o furor tributário, o inchaço do Estado e a gastança desenfreada.

Adiar qualquer medida para depois de janeiro é salutar em vários aspectos. Esfria as cabeças de lado a lado e, principalmente, dá tempo a que técnicos da situação e oposição destilem os números da contabilidade pública em busca de alternativas que tornem realidade o acordo. Ou seja, que de fato não se elevem nem se instituam impostos.

As opções existem. Uma delas saiu de cálculos do economista Paulo Rabello de Castro. Segundo ele, como a CPMF também pesa na formação dos juros, seu desaparecimento representa um alívio para o Estado na rolagem da dívida interna. O fim do imposto deverá deixar nos cofres do governo Lula, em 2008, R$10 bilhões, ou 25% da perda estimada total.

Haverá, ainda, sobras de arrecadação, como todo ano. Mesmo que a economia mundial reduza o ritmo de expansão, por causa da crise americana, a demanda interna, aquecida como já está, será um fator de compensação. Caso o melhor aconteça e o PIB brasileiro se expanda 5,5% no ano que vem, mais R$20 bilhões poderão ser usados para abater a conta da extinção da CPMF, segundo Rabello de Castro em sua coluna na "Folha de S.Paulo". Somente nesses dois itens seriam R$30 bilhões ou 75% do necessário, sem aumentar a carga tributária.

Não será, portanto, por razões técnicas que o acordo entre Lula e oposição correrá riscos.




Jornal do Brasil
21/12/2007

Pois o Congresso - ou mais precisamente o Senado e o governo - acabam de dar o melhor e o mais oportuno dos exemplos com a cambalhota acrobática do acordo fechado, ainda com as cinzas fumegando da crise com a maior derrota do presidente Lula, com a rejeição pelo Senado da proposta de emenda constitucional para prorrogar até 2011 a cobrança da badalada Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, a CPMF, que garantiria a arrecadação de mais R$ 40 bilhões anuais para o financiamento de programas sociais, como o Bolsa Família e outros menos conhecidos.

Não é apenas o resultado que carimba a calamitosa incompetência e a patusca arrogância da seleção palaciana, comandada pelo presidente Lula com a assessoria de mão trocada dos ministros da área econômica e assessores de discutível serventia.

Lula insistiu na tática que vinha dando certo pelas duas vias habituais: a oratória da penca de improvisos diários para a intimidação da ameaça de revides e o anúncio das calamidades com o corte de verbas de destinação certa para a saúde, a educação, a assistência social e outras miudezas.

Errou em tudo. Trocou de rumo várias vezes. E no recuo tardio, depois da parada perdida, em cima da votação que sepultou o imposto do cheque.

Vencedores e derrotados avaliaram a terra arrasada e, em lances simultâneos, abriram a guarda para a negociação da paz, afinal celebrada. Antes de fechar a cortina para a dispersão do elenco, o acerto abençoado da aprovação, em segundo turno, pelo mesmo Senado apaziguado, da emenda constitucional que prorroga a Desvinculação da Receita da União (DRU) e permite ao governo gastar 20% das suas receitas, ou cerca de R$ 80 bilhões no próximo ano, com liberdade na aplicação em todas as áreas. Um tampão no buraco da derrubada do CPMF, aprovado por 65 votos a 6, com a oposição liberada para votar na linha do angustioso interesse do governo.

E a paz é linda, adoça a alma, apaga agravos, reaproxima adversários no abraço entre soluços e olhos úmidos. "Não teríamos aprovado a DRU sem a oposição", suspira o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois de arrancar de Lula o pacote de medidas reclamadas pela oposição: o compromisso de não aumentar alíquotas de impostos nem criar novos tributos para substituir o CPMF; a proposta da reforma tributária, a ser enviada ao Congresso em fevereiro. Cortes no Orçamento, inclusive das emendas de parlamentares, serão negociados com a oposição.

Mas esta lista de compromissos do governo, com o aval do presidente Lula, não é a mesma, sem tirar nem pôr uma vírgula, que foi rejeitada nas malogradas negociações que pavimentaram a derrota da rejeição da CPMF?

Claro, a mesma, até mais enxuta do que a da cesta natalina. Francamente, não é hora de cutucar em feridas que já não sangram, mas não estão cicatrizadas.

Na reabertura do Congresso, de volta das férias, das castanhas e dos presentes, quando da retomada das conversas sobre a pauta dos compromissos da pacificação, as lideranças do governo e da oposição, os presidentes do Senado e da Câmara que tanto se distinguiram nos longos meses de crise deveriam voltar os olhos para o voto e atender a cobrança ética da sociedade, farta de escândalos, de mordomias, de regalias, de verba indenizatória e aproveitar o embalo das boas intenções para varrer o entulho acumulado em décadas de boa vida dos premiados com um dos melhores empregos do mundo.

E às nossas custas.

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