1/5/2004
"Marcelo Coelho costuma atribuir-se
o tom cético de Montaigne. Pobre ceticismo
. Pobre Montaigne. Montaigne não tinha nada
do bom-mocismo conformista e pernóstico
de Marcelo Coelho"
Participo de um programa de TV, Manhattan Connection. Entrei no lugar de Arnaldo Jabor. Um amigo meu chamou Arnaldo Jabor de "revoltado a favor". Antes ele era revoltado a favor de Fernando Henrique. Agora é revoltado a favor de Lula. Continua revoltado. Continua a favor.
Pior que Arnaldo Jabor é Marcelo Coelho. Apesar de viver num "mundo cultural com pouquíssimos pontos de contato com o da maioria da população", sendo avesso a "TV, música popular e futebol", Marcelo Coelho, logo depois das eleições, encantou-se com o "jeito maroto" de Lula, sua "figura antiépica", sua "espontaneidade bem no estilo de Rebolo e Pennacchi". Para Marcelo Coelho, Lula finalmente tinha livrado a política "das teorias, dos programas, das discussões partidárias". Um ano depois, ele se desiludiu. Lula passou a encarnar a "didática pequeno-burguesa, travestida de sabedoria popular, que se desmancha em lágrimas de pura parvoíce". Lula mudou? Claro que não. Quem mudou foi Marcelo Coelho. Ele costuma atribuir-se o tom cético de Montaigne. Pobre ceticismo. Pobre Montaigne. Montaigne não tinha nada do bom-mocismo conformista e pernóstico de Marcelo Coelho. De hoje em diante, proíbo-o de citar Montaigne. Pode citar Habermas, se quiser.
A releitura do que se publicou na imprensa no período eleitoral deveria ser matéria obrigatória em todas as faculdades de jornalismo. Janio de Freitas saudou a eleição de Lula como um triunfo do humanismo sobre a tecnocracia, abrindo a esperança de um futuro melhor. Eliane Cantanhêde considerou a vitória de Lula "um marco de mudança, esperança, justiça, moralidade e igualdade". O militante petista Luis Fernando Verissimo comemorou o fim do clientelismo e do fisiologismo dos tucanos, que se comportavam como "caddies miseráveis que adotam os hábitos dos ricos para os quais carregam o saco de golfe". Antonio Candido viu o começo de uma "fase redentora na vida nacional", em que a utopia se tornaria realidade. Essa gente acreditou mesmo no PT? Em todos esses anos de convívio eles nunca desconfiaram da inépcia e da falta de idéias dos dirigentes do partido? Era tão difícil assim perceber a impostura?
Quem também me espanta são esses retardatários que demoraram mais de um ano para descobrir que Lula é iletrado e não gosta de ópera. É pouco. É atenuar o problema. Falta de cultura virou um álibi para a palermice do governo. E o governo dá provas diárias de palermice. Na última semana, Lula prometeu diminuir a criminalidade alistando futuros traficantes nas Forças Armadas. Depois das cotas para negros nas universidades, ele quer esse outro tipo de cota nos quartéis. Como o recruta fará para demonstrar que é um traficante potencial? Basta um antepassado traficante ou ele próprio precisa ter passagens pela polícia?
Um dos poucos jornalistas que não se desiludiram com Lula foi o Ratinho. A recompensa por sua seriedade foi uma entrevista com o presidente. Eu sou menos sério que o Ratinho, mas também gostaria de entrevistar Lula. Vou ligar agora mesmo para seu assessor de imprensa, tentando marcar uma hora.
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