Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 14, 2004

Diogo Mainardi A invenção do brasileiro



"Quem inventou a figura do brasileiro foi
a ditadura getulista. Inventou uma raça,
inventou uma língua, inventou mitos,
inventou o futebol, inventou o Carnaval,
inventou a música popular. A ditadura getulista
inventou o brasileiro para melhor dominá-lo"


O brasileiro não existe. É uma enganação. Uma mentira. Venho repetindo esse conceito sem parar, aborrecidamente, em todos os meus artigos e livros: o brasileiro é uma mentira, o brasileiro é uma mentira, o brasileiro é uma mentira.
Quem inventou a figura do brasileiro foi a ditadura getulista. Inventou uma raça, glorificando a miscigenação de brancos, negros e índios, fruto de um estupro coletivo. Inventou uma língua, com a simplificação das regras gramaticais. Inventou mitos, como o de Aleijadinho, o brasileiro desafortunado que não desiste nunca, uma espécie de Vanderlei de Lima barroco. Inventou o futebol, difundindo-o entre os mais pobres, com a filha do presidente no papel de madrinha da seleção. Inventou o Carnaval, com seus enredos patrióticos. Inventou a música popular, com a Rádio Nacional. A tão admirada musicalidade do brasileiro nasceu aí, nesse ambiente goebbeliano: Lamartine Babo e Ary Barroso, Emilinha Borba e Vicente Celestino, Francisco Alves e Carmem Miranda eram apenas iscas destinadas a fisgar o populacho para o noticiário da Hora do Brasil, que divulgava as imposturas do governo.
A ditadura getulista inventou o brasileiro para melhor dominá-lo. Ditaduras são assim mesmo. Criam instrumentos para reprimir todas as formas de oposição. A propaganda do regime insistia em noções como identidade nacional, orgulho nacional, sentimento nacional, mentalidade nacional. A idéia era transformar a unidade da nação em valor supremo, inatacável. Como era o governo a tutelar essa unidade, quem quer que atacasse o governo podia ser acusado de cometer um atentado contra a nação. Ia parar na cadeia. As cartilhas escolares eram proibidas de manifestar "pessimismo ou dúvida quanto ao poder futuro da raça brasileira". E a imprensa era censurada com o propósito de "combater a penetração ou disseminação de qualquer idéia perturbadora ou dissolvente da unidade nacional".
A Itália de Mussolini passou por isso. A Alemanha de Hitler também. A diferença é que Itália e Alemanha se livraram do discurso totalitário de sessenta anos atrás. E o Brasil continuou igual, remoendo idéias de 1930. Os grandes nomes da nossa intelectualidade e da nossa cultura ainda são aqueles velhos colaboracionistas da ditadura getulista, que ajudaram a forjar a imagem do brasileiro: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Portinari, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Humberto Mauro, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer. Getúlio Vargas sabia que o melhor jeito para lidar com artistas e intelectuais era arranjar-lhes um servicinho. Até Graciliano Ramos foi beijar-lhe a mão, depois de ter sido preso por ele.
Cultura é contraposição, enfrentamento, insulto, tabefe. No Brasil aconteceu o contrário. Criada por decreto pelo Estado autoritário, nossa cultura só gerou conformidade, acomodação, adesismo, subordinação. O melhor para o Brasil seria o brasileiro desistir de ser brasileiro.

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