O presidente Lula poderia ter dado à medida um caráter transitório e excepcional, vinculando-a à duração da crise. Mas no texto da MP nada mencionou, nada explicitou nessa direção, dando margem a interpretações de que o governo do PT se aproveitou da situação para desafogar sua vocação estatizante, à Hugo Chávez e Evo Morales, que só têm afugentado investimentos da Venezuela e da Bolívia.
Talvez por isso a reação do mercado tenha sido a pior possível - a Bolsa desabou e o dólar disparou. Certamente por isso ficou em segundo plano a justificativa da necessidade de construir uma muralha de defesa contra os efeitos negativos da crise. E tenha desencadeado no mercado financeiro uma desconfiança geral de que há bancos em dificuldades, que o governo não quer revelar. E o ministro, que nega problemas de insolvência, ficou desacreditado. Alimentou essa desconfiança a total falta de transparência na desastrada divulgação da MP. Na noite anterior, Mantega e Henrique Meirelles foram ao Congresso explicar as providências para proteger o País da crise e esconderam dos parlamentares o que já estava impresso no Diário Oficial. Pareciam evitar enfrentar perguntas. Por que será?
O que preocupa nesse poder ilimitado de sair comprando ativos (ou seriam micos?) privados com dinheiro público ou de acionistas de empresas estatais é a falta de espírito público - a imaturidade da classe política brasileira em lidar com o poder e o dinheiro. Logo surgem os abusos na nociva relação público x privado e os prejuízos decorrentes são empurrados para o contribuinte.
A história recente está repleta de casos. Até o governo Collor, o BB foi fartamente usado por presidentes, senadores e governadores para conceder empréstimos a empresários amigos que não pagavam. Ou para consolidar todos os débitos privados do empresário para limpar sua ficha suja de inadimplência no mercado. Foram incontáveis os casos, até que em 1997 os brasileiros foram chamados a fazer uma bilionária injeção de dinheiro para zerar o progressivo passivo do BB. Com a CEF os abusos decorreram do mau uso do dinheiro do FGTS e outro reforço bilionário a capitalizou no governo FHC.
Depois de zerar o passivo, o BB ganhou credibilidade, conquistou milhares de novos acionistas e hoje é uma empresa pública de capital democratizado. Arriscar ser usado agora para adquirir ativos podres ou forjados para captura de dinheiro público é um retrocesso que os acionistas e os brasileiros não merecem.
Com os bancos estaduais foi pior. Ali os governadores fizeram a festa - emitiam dinheiro sem limites, custeavam campanhas eleitorais, inventavam fraudes diversas, financiavam amigos e prefeitos aliados.
Mas o mais inexplicável na MP nº 443 é a possibilidade de o BB comprar seguradoras e até fundos de pensão. Por quê? Não são bancos, não têm papel central em irrigar dinheiro e crédito na economia. Por que entraram na dança? O governo não explicou. E se gestores mal-intencionados liquidarem seu patrimônio e entregarem o lixo ao Estado? Não esqueçamos que fundos de pensão já "investiram" até em jazigos e sepulturas em cemitérios.
Quem sabe os fundos tenham sido contemplados na onda da reestatização da previdência complementar na Argentina? Lá, a presidente Cristina Kirchner parece estar de olho no patrimônio de US$ 30 bilhões dos fundos de pensão, o que desencadeou protestos dos trabalhadores participantes, fuga de capitais do país e a Bolsa de Buenos Aires desabou quase 20% em três dias. E aqui? O Previ (fundo dos funcionários do BB) foi o que mais perdeu, porque está carregado em ações de empresas. Mas seus dirigentes garantem recuperar as perdas no médio prazo. Ou será que o governo quer socorrer algum outro fundo na surdina?
O presidente Lula nega que vá socializar prejuízos: "Não vamos dar dinheiro nem favorecer quem fez especulações." Mas só a palavra do presidente basta? Por que não explicitá-la no texto da MP? O perigo está no poder ilimitado e na falta de transparência do governo assegurados pela MP.