Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 27, 2010

O dono da festa Luiz Garcia


O Globo - 27/04/2010
 

Com a cabeça fria, diz um ditado, digere-se melhor a vingança.

Mas, dias passados, não estou aqui para desforras. Portanto, nenhuma palavra de recriminação contra o prefeito Eduardo Paes por ter permitido, sem prévias e indispensáveis precauções, o espantoso espetáculo do Dia de Tiradentes.

Ele pode ter sido enganado, ou se iludido sozinho, quanto à quantidade de pessoas que a Igreja Universal — a mais poderosa de todas as denominações protestantes no país e aquela com mais visíveis ambições políticas (nenhuma outra ocupa uma cadeira no Senado) — planejava levar para a Enseada de Botafogo.

Não era ele o dono da festa, apenas cedia o salão. Deveria, quem sabe, informar-se melhor sobre quem o alugava.

O eleitor carioca não tem memória curta, o que é má notícia para o prefeito.

Problema dele. A seu favor ou contra — depende da visão de cada um sobre sua autoridade — deve-se reconhecer que a dona solitária da festa era a entidade políticoassistencialista-religiosa (em ordem crescente de importância visível) que atende pelo nome ambicioso de Igreja Universal. Em linguagem mais rebuscada, foi ela a mandante do caos.

Terá sido um espetáculo de fé religiosa? Até certo ponto, é inegável que sim.

Havia mais devoção na plateia do que no palanque? Não tenho resposta para isso. Mas certamente o evento tinha óbvias características de demonstração de força política. O beneficiário imediato era o senador Marcelo Crivella. Sobrinho do proprietário da Universal, ele comanda, por assim dizer, o braço político da entidade.

Outra dúvida: Crivella ganhou votos e prestígio popular com o evento de quartafeira? Pesou mais na balança o número extraordinário de fiéis-eleitores que penou na romaria, ou a quantidade considerável de outros cidadãos que sofreram as consequências de um evento tão mal organizado? E com objetivos políticos talvez, quem sabe, mais importantes do que os de um espetáculo de fé religiosa? Não cabe ao cidadão carioca responder a esse monte de perguntas. Interessalhe apenas mandar um recado à autoridade municipal: outra brincadeira de mau gosto como essa, por favor, nunca mais. Faz sentido voltar ao assunto: no jornal de ontem, o citado Crivella anuncia que fará tudo de novo, igualzinho, no ano que vem. Como se fosse, além de dono da festa, dono da cidade.

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