O Estado de S.Paulo - 02/03/2010
Sempre que as estatísticas apontam para um resultado fraco no comércio exterior, o governo se apressa em anunciar a elaboração de um poderoso pacote de medidas para incentivar as exportações. Quando sai alguma coisa, sai um traque, que pouco ajuda a alavancar as vendas externas.
Desta vez, o governo promete novos mecanismos de crédito automático e certas providências "tecnicamente complexas", como ontem avisou o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral. Como das outras vezes, serão bem-vindas, mas não dá para contar com elas para uma rápida alavancada das exportações.
O momento é de forte aumento do consumo interno, que vai sendo turbinado não propriamente pelo dólar barato, como tanta gente fora e dentro do governo está sempre disposta a alardear, mas pelo aumento das despesas correntes do governo federal, pela expansão do crédito e, também, pela desoneração fiscal de alguns impostos.
O resultado desse crescimento do consumo a níveis provavelmente superiores a 7% ao ano é tanto o aumento das importações, que dispararam 31,2% nos dois primeiros meses deste ano quando comparados com igual período de 2009, quanto o avanço mais baixo das exportações, de 24,5% no mesmo intervalo, porque o consumo mais alto deixa menos sobras exportáveis.
Sempre que anuncia a preparação de estímulos para incentivar as exportações pode-se desconfiar de que o governo esteja tratando o problema com o foco errado. Não se trata de empurrar exportações. Trata-se de dar competitividade ao produto brasileiro diante da concorrência externa, não importando aqui se ele vai para o mercado interno ou se vai para fora.
E, se o governo federal fosse sincero quando afirma que vai incentivar exportações, teria tomado medidas mais eficientes.
Em primeiro lugar, estaria mais disposto a devolver os créditos garantidos pela Lei Kandir, a isenção de impostos nas exportações que não chega nunca a quem tem de chegar.
Em segundo lugar, seria mais determinado e mais eficiente na derrubada do custo Brasil, o conjunto de fatores que encarece o produto nacional. Na lista está a carga tributária alta demais, de cerca de 37% do PIB. Estão os juros escorchantes fora de padrão internacional cobrados do setor produtivo, como os 37% ao ano no desconto de duplicatas e 30% ao ano no capital de giro. Está, também, a infraestrutura precária como essas estradas mal traçadas e esburacadas que impedem a chegada just in time da matéria-prima, do componente e do produto acabado. E estão os portos lentos e mal equipados.
Em terceiro lugar, se estivesse mesmo empenhado em estimular as exportações, o governo seria bem mais agressivo na negociação de tratados comerciais e não daria tanta moleza para os argentinos quando estes barrassem sem nenhuma cerimônia, como vêm barrando, o produto brasileiro que toma o rumo do seu mercado, que, aliás, é parte da mesma área de livre comércio.
Às vezes o exportador acredita nesse discurso do governo; outras, finge que acredita, porque também não pode desdenhar nenhuma novidade benfazeja. Mas não pode perder de vista que problemas mais profundos têm de ter soluções mais profundas.
Confira
Subindo - A cada semana aumenta a expectativa de inflação medida pela pesquisa Focus. Já está perto dos 5,0%, num ano em que a meta é 4,5%. O ministro Guido Mantega (Fazenda) admitiu que o consumo crescerá perto dos 7,5%. Não está claro se o setor produtivo conseguirá garantir o abastecimento sem pressão sobre os preços.
Entrevista:O Estado inteligente
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