"Sem uma nova abordagem industrial, fica difícil comprar "made in Brasil" mesmo no Brasil", diz um empresário |
Nos últimos 30 anos (1981-2010), completamos um ciclo inverso, de "desconvencimento" sobre o imperativo de galgar estágios superiores de industrialização. O filme do avanço industrial foi rebobinado para trás, na cabeça da geração dos meus filhos. Eles estão convencidos, ao contrário dos avós, da inutilidade de qualquer esforço nesse sentido.
Há nisso perdas flagrantes para o Brasil, nas contas externas e na estratégia de projeção do poder nacional. O recente resultado da licitação de trens urbanos no Rio de Janeiro ilustra o descompasso da planilha de custos entre os produtores locais e os vagões oferecidos pela China. Com tecnologia japonesa, rebates de crédito, velocidade de execução e preço final, os chineses ficam imbatíveis. Aparentemente, esse fato não mais abala os brios dos brasileiros.
Já um experiente empresário do setor não pestanejou ao me afirmar: "Sem uma nova abordagem industrial, fica difícil comprar "made in Brasil" mesmo no Brasil!". A China persegue uma política praticamente infalível: escala global, desoneração total, tecnologia de ponta e coordenação Estado-empresa. Atenção: não falei de câmbio nem de salários. No Brasil, temos os quatro cavaleiros do apocalipse: tributos invencíveis, alto custo financeiro, encolhimento de mercado e dissonância Estado-empresa.
Em comentário, o presidente Lula foi porta-voz casual dessa dissonância ao reclamar que as empresas não repassam aos preços os cortes de impostos. Falava do IPI reduzido e anteontem estendido como política anticíclica. E Lula concluía, dizendo "ser preferível taxar e, em seguida, dar direto [o dinheiro] aos pobres".
Essa intrigante versão de política industrial "toma lá dá cá" resume o atual leque de crenças do Estado brasileiro sobre as limitações técnicas e morais do empresariado nacional. Não obstante a direção correta das medidas anunciadas nesta semana para remediar a queda na produção industrial, prossegue a dissonância cognitiva do poder público sobre a agenda de fomento da indústria nacional. No BNDES, contudo, o grau de dissonância é baixo. Se o banco tivesse os instrumentos de uma típica agência de exportação industrial, teria meios mais eficazes de jogar o jogo da ocupação mundial de mercados. O aludido crédito especial para máquinas é bom começo.
Em outras áreas de governo, o grau de descompasso entre Estado e indústria é elevado. Sempre que a discussão envolve a "planilha de custos", onde o peso de tributos e custos financeiros sobressaem, o debate emperra, a agenda de transformação murcha, o governo desconversa e o empresário arrefece.
A parcela de responsabilidade das lideranças industriais no recuo relativo do setor está mais em sua tácita resignação do que na falta de alertas específicos. Embora se vocalizem reclamações, a estatura política do setor nunca esteve tão descompassada de suas necessidades. Não por falta de bons quadros, e, sim, pelo profundo desalento quanto às chances efetivas de conjugar o minguado poder político à agenda de um projeto nacional consistente. Hoje, cada qual tem um projeto, e o país, nenhum. A propósito, o desalentado ministro Mangabeira, da Secretaria do Longo Prazo, pediu as contas.