O ESTADO DE S. PAULO
Cristovam Buarque, Vitor Buaiz e Luiza Erundina, respectivamente governadores do Distrito Federal, Espírito Santo e prefeita de São Paulo, cada um a seu modo, época e circunstâncias sentiram na pele, na carne e nos ossos a dureza de governar quando o PT era um partido tão oposicionista que fazia oposição aos governantes que ele mesmo elegia.
Chegou a virar folclore o pendor petista à autocombustão. Certamente não por acaso, nenhum dos três citados - entre vários casos semelhantes - está hoje no PT.
Sem entrar no mérito dos equívocos de parte a parte, o registro serve apenas para lembrar como o PT mudou de lá para cá. Aprendeu a ser realista, pôs os pés no chão, conquistou a Presidência da República, deixou de ser rebelde diletante e, desde então, ganhou muitas eleições, poder, projeção, dinheiro, influência.
Em compensação, foi ao outro extremo e agora se expõe ao risco de perder a identidade por excesso de obediência ao comando do presidente Luiz Inácio da Silva de quem o partido é dependente, mas para quem o PT hoje é (ou talvez tenha sido sempre) só um meio para chegar a um fim.
Partidos que estão no governo, reza a norma, em geral pagam o preço da subserviência pragmática. São os primeiros a ceder espaço aos aliados, a abrir mão da própria opinião, a fazer qualquer negócio em nome da chamada governabilidade. Tendo a Presidência da República, qualquer sacrifício é válido.
Aconteceu com o PSDB no período Fernando Henrique Cardoso. Ficou em segundo plano, enquanto todas as gentilezas eram feitas para os parceiros PFL e PMDB. Ao fim, o que era na concepção original um "partido de quadros" bem formado acabou descaracterizado como tal.
O PT estaria no mesmo caminho se já não tivesse ido além e não estivesse indo cada vez mais fundo. A aura da combatividade e da defesa da boa ética o partido perdeu há algum tempo e parece não apenas conformado, mas bastante satisfeito com sua condição de legenda igual às outras.
Daqui em diante o que ocorre com o PT e que até então não se viu acontecer com partidos que estiveram no poder é a perda gradativa dos brios. O exemplo mais recente é o episódio José Sarney.
Depois de desautorizar a bancada do partido no Senado, o presidente simplesmente destituiu o senador Aloizio Mercadante da liderança ao duvidar publicamente de que a nota pedindo o afastamento de Sarney representasse a posição dos senadores petistas. Vale-se da impossibilidade de Mercadante reagir.
O que era uma agremiação viva, com energia partidária sempre em movimento, no momento é um partido com dono, em pânico ante a possibilidade de sair do poder e disposto a se submeter qualquer humilhação para tentar não retornar à planície.
É o único projeto em debate no PT. Não se ouve a defesa de uma só ideia que não seja a aceitação dos ditames do Palácio do Planalto. Quem resumiu a situação - aparentemente em tom acrítico - foi a ex-prefeita Marta Suplicy, no encontro do diretório paulista, que aprovou a abertura oficial de conversações para apoiar uma possível candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo.
Definindo-se como "soldado de um exército que tem general", Marta afirmou que quem "assinala a estratégia" do partido é Lula. A partir de qual premissa? A do que seja supostamente mais adequado ao êxito da candidatura Dilma Rousseff à Presidência da República.
Se a aliança sair, será a primeira vez que o PT deixará de disputar o governo de São Paulo, sua base e até outro dia mais forte reduto com excesso e não carência de candidatos. Todos dizimados por escândalos, mortos em combates nem sempre altivos na defesa do poder.
Valeu a pena?
É a conta que muita gente no partido faz hoje em dia. Aceita-se o pressuposto de que a retirada de Ciro da disputa nacional possa aumentar o patrimônio de Dilma assim como Lula parte do princípio de que possa repetir com ela o que Paulo Maluf fez com Celso Pitta em São Paulo, simplesmente transferir votos. E o desempenho propriamente dito da candidata, sua empatia, ou não com eleitorado, não vale nada? Ao fim e ao cabo, é só o que vale numa eleição presidencial.
Se não der certo, se Dilma perder, se o PT aceitar entregar os melhores palanques de governos estaduais para o PMDB, o que será do partido na oposição, mesmo na hipótese de eleger grandes bancadas na Câmara e no Senado?
Terá poder para fustigar o governo federal, terá instrumentos de pressão para, ao molde atual do PMDB, continuar incrustado na máquina pública, mas não terá discurso, lideranças nem marca para fazer a política do partido.
Terá, sim, Lula a reinar como a grande figura da oposição, cujo governo será o tempo todo defendido. Em que termos as críticas serão feitas é um mistério, pois, depois de passar oito anos avalizando malfeitorias de toda sorte, o PT e Lula haverão de dar nó em pingo d?água para se sobressair no cotejo com quem quer que seja o sucessor e lhe cobrar a conduta mais correta
Entrevista:O Estado inteligente
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