Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 21, 2006

Luiz Garcia Bussunda

- Jornal O Globo

Amorte, em 1985, de Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito
no ocaso do regime militar (mas ainda não empossado), comoveu o
Brasil inteiro. Isso não impediu que o semanário humorístico “Planeta
Diário” impudentemente entrasse na contramão com um lacônico
registro: “A roqueira Risoleta Neves partiu para uma carreira solo.”

Talvez um ato de impudência, mas não imprudência: não houve
conseqüências. Pelo visto, mas com certeza não imaginado por muita
gente, o país já estava suficientemente maduro para aceitar um humor
anárquico, desrespeitoso — por senti-lo, no fim das contas, saudável.

O “Planeta” era criação de um grupo de jovens, antigos colegas no
Colégio de Aplicação. Outros da mesma turma, na mesma linha de humor
rasgado, publicavam a “Casseta Popular”. A propósito, mas sem
importância alguma, a palavra não existe: o dicionário só registra
“caceta”, espécie de vaso ou pênis.

Logo os dois grupos se uniram, partindo para encenar uma série de
shows de humor de grande sucesso, que desembocaram no programa de
televisão na TV Globo e na coluna de “Agamenon Mendes Pedreira” no
GLOBO.

Existe, naturalmente, quem não entende o tipo de humor rasgado
praticado pelo pessoal da “Casseta”. Lembro-me de pelo menos uma
tentativa de retaliação, quando um ex-vice-governador do Estado do
Rio processou Agamenon. Perdeu na primeira instância. O que realmente
importa é que os índices de audiência do programa mostram que o
público gosta do tipo de humor do “Casseta”. Embora talvez não o
perceba exatamente assim, o pessoal sente necessidade — e tem prazer
nisso — de ver alguém mostrando que reis e suas cortes estão nus. Ou
muito malvestidos.

Não posso dizer que conhecia Bussunda de verdade, embora o visse de
vez em quando: fomos silenciosos companheiros de sala de espera de
dentista. A sua cara fechada não estimulava tentativas de conversa,
mas a doutora me garantiu que era um de seus clientes de mais
gentileza e paciência. Bons dentistas sabem dar valor a essas
qualidades.

A reação popular à morte súbita de Bussunda —- um feioso que não era
galã nem cantava bonito — mostra um sentimento de perda de alguém
tanto querido como importante. Está certo: ele era isso mesmo.

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