Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 21, 2006

XICO GRAZIANO - Balaio de gatos

Jornal O Globo
Oprocesso da reforma agrária brasileira virou uma rosca sem-fim:
quanto mais assentamentos se realizam piora a confusão fundiária.
Haverá final nessa encrenca?

Os malucos do MLST depredaram a Câmara dos Deputados solicitando
acelerar a reforma agrária. Inadmissível o vandalismo. Fica, porém, a
dúvida, de que tarda a justiça no campo.

Noves fora a política, os números desmentem, cabalmente, os céticos.
Até o fim do ano estarão assentadas em projetos de reforma agrária,
desde a redemocratização do país, cerca de 900 mil famílias.
Descontando a maquiagem oficial. Para comparação, existem em São
Paulo 250 mil agricultores.

Foram distribuídos cerca de 40 milhões de hectares. Uma vastidão.
Basta saber que a área cultivada com grãos no Brasil deverá atingir
45 milhões de hectares na próxima safra.

Afirmar que o Brasil não faz reforma agrária é um bordão mentiroso.
Serve ao proselitismo, não ao conhecimento objetivo. Nenhuma nação
realizou, pela via democrática, tamanha distribuição fundiária. O
problema da reforma agrária brasileira, com certeza, não é de
quantidade, mas sim de qualidade.

Qualquer governo que se pautasse pelo planejamento racional
preferiria consolidar os assentamentos existentes, verdadeiras
favelas rurais, que avançar nas desapropriações. Sendo correto, como
então resolver o drama dos acampados?

A resposta é decepcionante: basta selecioná-los para descobrir que,
na grande maioria, constituem-se de falsos sem-terra. A solução para
eles está no emprego, não na terra. Gente desocupada, trabalhadores
urbanos desiludidos, excluídos sociais misturados com oportunistas:
assim se recrutam os invasores de terras.

Os alojamentos à beira das estradas representam, afora as exceções,
uma farsa. Simplesmente não é verdade que exista um milhão de pessoas
acampadas. Quem conhece esse jogo da miséria humana sabe que as
listas têm mais gente que os barracos. Primeiro, prometem-se cestas
básicas, depois, quem sabe, a terrinha boa. Chove inscrição.

Em 1985, já terminada a ditadura militar, o governo Sarney patrocinou
a elaboração de um plano fundiário. Seus idealizadores calcularam que
havia entre 6 e 7 milhões de “beneficiários potenciais” da reforma
agrária. Quem eram?

Uma miscelânea de gente. Para começar, somava os 2 milhões de
pequenos agricultores, chamados minifundiários. Depois, agregava os
parceiros, os arrendatários e os posseiros, um total de 1,5 milhão de
produtores “precários”. Por fim, adicionava dois terços dos
assalariados rurais do país. Esse balaio-de gatos, ajuntando
categorias rurais diferentes, produziu uma excrescência teórica.

Quanto aos assalariados rurais, certamente podem ser considerados sem-
terra, pois vivem da força de trabalho. Imaginar que devessem ser
produtores autônomos significa voltar à Idade Média. Afinal, inexiste
capitalismo sem assalariados.

Suponha, porém, que tal proposta fosse adiante. Com o avanço da
eventual reforma, a subtração de mão-de-obra enxugaria a oferta de
trabalho, elevando os salários. Logo se tornaria mais atraente
permanecer assalariado que se aventurar na lide da produção rural.
Afinal, não é errado, nem feio, ser operário.

O site do MST afirma existirem 4,8 milhões de sem-terra. Ninguém sabe
direito como isso foi calculado. Representa quase o triplo dos
assalariados temporários rurais no país. E, ao contrário do
desemprego, há falta de mão-de-obra no campo para certas atividades,
principalmente de colheita. Certo ou errado, pouca gente quer hoje
trabalhar na roça. Morar, então, nem pensar.

Conclusão: é impossível calcular a quantidade de pessoas que deveriam
ser assentadas no campo. Quer dizer, é indefinido o número de sem-
terra existente no país. Qualquer estimativa será chutada. E pode
conter você!

Por incrível que pareça, no teatro do absurdo em que se transformou a
questão agrária brasileira, os verdadeiros sem-terra representam a
minoria. Pior. Servem de massa de manobra, pobres coitados, para os
revolucionários de araque.
XICO GRAZIANO é deputado federal (PSDB-SP). E-mail:
xicograziano@terra.com.br.

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