Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 19, 2015

Denis Lerrer Rosenfield - Nau à deriva



• Sem definição política, não há definição econômica. As perspectivas são, neste sentido, sombrias

- O Globo

O Brasil assemelha-se a uma nau à deriva, sob intensa tormenta, não sabendo para onde ir, nem tendo nenhuma orientação. O timoneiro, no caso timoneira, envolta em suas fantasias, não mais consegue perceber a realidade e, sobretudo, a sua gravidade. Sua maior preocupação consiste em sua própria sobrevivência, tudo o mais e todos os outros, a saber, a totalidade dos cidadãos deste país, é simplesmente mandado às favas.

Seus auxiliares imediatos, seus assessores, compartilham da mesma névoa de visão, vendo, nas ondas que se agigantam e no furacão que se aproxima, um claro céu de brigadeiro. Olham o "sol", como se ele se oferecesse naquele momento. Juntos, todos olham o inexistente e fecham os olhos para a triste realidade. Neste meio tempo, a nave está soçobrando.

Triste a situação vivida pelos brasileiros. Acreditaram, em sua metade, em um discurso eleitoral, melhor eleitoreiro, que tudo fez para encobrir a realidade, para que a tormenta que se aproximava não fosse vista. Foram, depois, junto com os demais, lançados para dentro de um furacão.

A timoneira da ilusão nada mais fez senão se afundar ela mesma em discursos desconexos, em frases sem sentido, como se assim o feito não tivesse sido feito, o encoberto não tivesse sido descoberto. A desesperança, a desconfiança e a falta de expectativas terminaram por atingir todos os habitantes deste país.

O que é, então, proposto? Um arremedo de ajuste fiscal, baseado na criação de um novo (velho) imposto, a CPMF, que nada mais é do que um arranjo provisório para maquiar contas estouradas e que continuarão a estourar se verdadeiras reformas não forem empreendidas como a da Previdência. E mesmo essa medida tem pouquíssimas chances de ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Aliás, no mundo da sobrevivência, mesmo esse esquálido ajuste fiscal passou a segundo plano. Nem dele muito mais se fala.

Foi literalmente substituído pela tentativa presidencial de evitar o impeachment. A nave está afundando, e a timoneira só se preocupa consigo, em como vai sobreviver, mesmo se o custo disto for o próprio país, que pode prolongar sua agonia por ainda três longos anos, algo que pode precisamente hipotecar o futuro das próximas gerações.

No meio da tormenta, contudo, a timoneira ganhou certo fôlego, embora a tempestade não vá amainar. Pelo contrário, só tende a aumentar. Quanto mais durar a agonia, piores serão os seus efeitos futuros.

A decisão de dois ministros do Supremo suspendendo o ritual do impeachment, tal como estabelecido pelo presidente da Câmara dos Deputados, foi inicialmente interpretada pelo governo e por jornalistas e analistas mais afoitos como uma suspensão do impeachment enquanto tal. E não como deveria ser, a saber, somente da aplicação do Regimento da Câmara para dirimir eventuais questões, como a de um eventual recurso ao plenário.

Na verdade, o poder monocrático do presidente da Câmara dos Deputados foi reforçado, pois cabe a ele, solitariamente, decidir pelo acolhimento ou não de um pedido de impeachment, encaminhando-o, então, a uma comissão especial a ser criada. Ele é, segundo a Constituição e a Lei do Impeachment, o senhor dessa decisão.

Acontece, devido à Lava-Jato e aos seus desdobramentos no Supremo Tribunal Federal, que o deputado Eduardo Cunha está também navegando sob intensa tormenta, preocupando-se, exclusivamente, com a preservação de seu mandato, que lhe dá foro privilegiado em um julgamento que se avizinha. Tudo fará para a sua própria sobrevivência.

O governo dança ao ritmo de seus passos! E para ele, quanto mais se prolongar esse impasse, melhor, pois terá de enfrentar o Conselho de Ética, onde haverá uma nova configuração entre seus "amigos" e "inimigos". Eis o fôlego do governo!

E o Brasil? Este sucumbe à falta de governo e à incerteza generalizada. O cenário econômico só tende a piorar, não havendo nenhuma sinalização de melhoria. Decisões necessárias ou são ignoradas ou foram relegadas ao limbo. Reformas estruturais nem chegaram a entrar na ordem do dia. Não há, a curtíssimo prazo, nem decisão favorável nem desfavorável ao impeachment, o que faz com que os agentes econômicos só posterguem as suas decisões. O impeachment só se delineará mais claramente em algumas semanas.

Acrescente-se o fato de o ministro Joaquim Levy perder crescentemente apoio, com o PT nem mais se preocupando em guardar as aparências, passando a pedir abertamente a sua demissão. O próprio presidente Lula está seguindo essa tendência, advogando pelo populismo que levou o país a esse descalabro. Sem definição política, não há definição econômica. As perspectivas são, neste sentido, sombrias.

Tudo deveria ser feito para que a atual tormenta não dure até as eleições de 2018. Mesmo que lá, naquele longínquo momento, novos ganhadores venham a conquistar o poder, o país estará em uma posição ainda mais claudicante. Não haverá o que comemorar, e o novo governo terá pela frente uma duríssima situação. Quando mais as decisões tardarem, pior será o descalabro. O bom senso exige que esse cenário seja abreviado.

E para que ele se torne factível seria necessária uma reconfiguração político-partidária com o vice-presidente, Michel Temer, assumindo a Presidência. A presidente se afastaria e uma nova agenda nacional seria elaborada e apresentada à nação, encarando os problemas pela frente. O discurso da ilusão deveria ser substituído pelo do sacrifício.

Neste cenário, o melhor seria que tal processo fosse o resultado de uma articulação política, que colocasse o futuro do Brasil acima de qualquer disputa partidária. O desprendimento teria de ser o seu vetor principal, com os partícipes então disputando o poder, entre si se for o caso, em 2018, já, então, com um país reformado, que teria feito as reformas e os ajustes imprescindíveis. O momento exige pessoas com o perfil de estadistas, e não de meros oportunistas de ocasião.

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