Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 17, 2015

O governo perdeu a bandeira Celso Ming


16 março 2015 |Estadão

No nível do simbólico, o interesse nacional parece, assim, mais defendido pelos manifestantes; a bandeira vermelha sugere ideais de outra natureza

Na atual safra de manifestações, o governo perdeu a bandeira brasileira empunhada nos grandes movimentos políticos, desde as Diretas Já. As cores verde e amarela foram arrebatadas pelas massas de oposição. A presidente Dilma e seu governo ficaram com o vermelho.
No nível do simbólico, o interesse nacional parece, assim, mais defendido pelos manifestantes. A bandeira vermelha sugere ideais de outra natureza. Essa redistribuição de cores pode ter consequência.
Em 2004, o presidente Lula deixou que implantassem a estrela vermelha do PT nos jardins do Palácio da Alvorada. Passou assim a impressão de que tentava apropriar-se, com selo próprio, de um dos edifícios símbolos da República.
Esta foi uma das maiores manifestações da História do Brasil e foi um ato de oposição. E, no entanto, a oposição partidária ficou de fora. Não mostrou identificação com os protestos, talvez porque tivesse entendido que não devesse endossar a tese do impeachment, proposta que acabou não prevalecendo. Os líderes políticos da oposição que compareceram aos atos de protesto ou não discursaram ou foram induzidos ao silêncio. Ou seja, não foi apenas o governo que foi atropelado pela mobilização. A oposição também foi. Ou toma o último vagão do comboio ou ficará definitivamente para trás. É o que tem de escolher agora.
Verde e amarelo, cores da oposição. Crédito da foto: Daniel Teixeira/Estadão
Verde e amarelo, cores da oposição. Crédito da foto: Daniel Teixeira/Estadão
A insistência com que gente do governo tem procurado desclassificar os protestos como coisa da burguesia ou dos derrotados nas eleições indica que o PT tem uma visão equivocada do que sejam as classes médias, as antigas e as recentemente incorporadas ao sistema social. Ainda entendem que a classe condutora da História seja o proletariado, que, no entanto, está em extinção. Em toda parte, o setor produtivo é dominado pelo setor de serviços que, no Brasil, corresponde a cerca de 70% do PIB. Dele fazem parte as atividades de educação, saúde, transportes, turismo, comunicação, finanças, comércio, operação de informática e a maioria das profissões liberais. Importantes segmentos dos funcionários das grandes indústrias, como o pessoal da administração e os trabalhadores qualificados, nada têm a ver com o proletariado tradicional. Dizer que os trabalhadores que atuam nessas áreas têm cabeça de proletário e agem como proletários e que o resto pensa e age como as elites é ignorar como passou a funcionar o mundo.
O governo Dilma se orgulha de ter adotado políticas que adensaram as classes médias brasileiras. Agora vêm esses porta-vozes oficiais com a argumentação de que os insatisfeitos que batem panelas e gritam slogans não passam de pequeno-burgueses massa de manobra das classes dirigentes.
Afirmar, como afirmou o desastrado ministro Miguel Rossetto, que os manifestantes de domingo foram os perdedores das últimas eleições é ignorar que a presidente Dilma não completou seu terceiro mês de governo e já ostenta recordes negativos de aprovação popular.
Como foi dito na Coluna de domingo, essas marchas de protesto ainda estão à procura de um discurso que as unifique e de objetivos carregados com mais consequência do que somente a de produzir desabafos coletivos. Mas também os grandes movimentos políticos começam assim, difusos e confusos. Depois tomam rumo, ou não tomam, para o bem e para o mal.
CONFIRA
BalancaMar2015
Esta foi a evolução da balança comercial brasileira nos últimos 6 meses.
Reversão
Já há sinais de reversão do forte déficit da balança comercial acumulado nos dois primeiros meses do ano (US$ 6,0 bilhões). Nas duas primeiras semanas de março, o déficit foi de apenas US$ 74 milhões e tende a reduzir-se nas próximas semanas. Apenas marginalmente essa redução do déficit tem a ver com a desvalorização do real, de mais de 20% apenas em 2015. Ela se deve mais à intensificação das exportações de produtos agrícolas, especialmente soja.

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