ILAN GOLDFAJN - O Estado de S.Paulo
O ano começou bem desafiador para a economia brasileira. Normalmente diríamos que estamos diante de uma tempestade perfeita. Mas isso literalmente seria bom se a tempestade viesse com chuvas que enchessem os nossos reservatórios. Digamos apenas que os vários riscos para a economia brasileira se estão materializando.
A economia deve enfrentar escassez de água, racionamento de luz, um legado pior nas contas externas e públicas, o impacto das investigações da Operação Lava Jato e dificuldades políticas. Não por coincidência, as perspectivas de crescimento para o primeiro trimestre e para o ano de 2015 já se encontram em terreno negativo. Com esse começo pior, o que muda nas perspectivas para o ano? Certamente torna mais difícil implementar simultaneamente os vários ajustes necessários na economia brasileira. E não são poucos: retomar a credibilidade da política fiscal, atingir o centro da meta de inflação, realinhar os preços administrados, diminuir o déficit externo, eliminar outras distorções existentes e conquistar a confiança para a retomada do crescimento.
Os ajustes são custosos no curto prazo. A retomada da credibilidade fiscal exige aumento da poupança pública, ou seja, corte de despesas ou aumento de impostos; o realinhamento em direção ao realismo tarifário deve elevar a inflação para acima do teto da meta; e a melhora nas contas externas requer uma taxa de câmbio mais depreciada, que afeta a inflação. Sem falar que direcionar a inflação para o centro da meta no ano que vem pode exigir juros maiores.
Nada que não deva (e possa) ser feito. Afinal, o custo no presente é mais do que compensado por ganhos futuros, com a recuperação da credibilidade, o aumento de investimento e a retomada do crescimento. Mas os ajustes econômicos precisam de convicção e apoio político. E quanto maior a dificuldade econômica no curto prazo, mais escassos eles se tornam.
Arrisco dizer que estamos diante de uma trindade impossível na economia brasileira este ano. Talvez não impossível, mas bem desafiadora. A trindade "impossível" consiste em 1) atingir plenamente a meta fiscal, 2) apertar a política monetária para atingir o centro da meta de inflação no ano que vem e 3) manter o apoio político às medidas econômicas. A previsão é de que uma das três não venha a ser cumprida.
As trindades ditas impossíveis têm tradição em economia. São combinações de políticas que os economistas não acreditam que possam ocorrer simultaneamente. Um exemplo clássico é a ideia de que países não podem simultaneamente controlar sua taxa de juros, ter câmbio fixo e liberdade de movimentação de capitais. Quando o câmbio é fixo e o capital é livre para se movimentar entre países, a taxa de juros acaba sendo determinada pelas condições internacionais.
A trindade "impossível" brasileira decorre das condições iniciais piores do que o esperado. O déficit de 0,6% do produto interno bruto (PIB) no ano passado só foi divulgado bem depois de anunciado o compromisso com a meta de superávit primário de 1,2% para este ano. O duro ajuste fiscal de 1% do PIB agora precisa ser de 1,8% para atingir a mesma meta. E a alternativa de não cumpri-la é pior. Com a dívida pública bruta alcançando 63,4% do PIB e o déficit nominal em 6,7% (um dos maiores do mundo), é necessário recuperar a credibilidade fiscal e evitar a perda do grau de investimento determinado pelas agências de risco, com o consequente aumento substancial do custo de financiamento do Brasil.
Se o ajuste necessário é mais duro que o projetado, a economia está mais frágil do que era esperado. A fraqueza da economia em dezembro tem impacto no primeiro trimestre deste ano. Com a confiança dos empresários ainda em baixo patamar, a confiança dos consumidores em seu menor nível histórico e os estoques altos na indústria, não há sinais de recuperação no primeiro trimestre deste ano.
Outros fatores contribuem negativamente. No setor de petróleo, os cortes em investimento e a redução na projeção de crescimento da produção vão impactar a atividade econômica. As dificuldades envolvendo algumas construtoras impactarão o ritmo de execução de suas obras de infraestrutura no curto prazo.
Somando tudo, projeta-se uma queda do PIB este ano de pelo menos 0,5%.
E há ainda riscos de racionamento de água e energia para a frente. A fraqueza das chuvas durante janeiro pode levar à necessidade de cortes adicionais no uso de água em importantes centros do Sudeste. Além disso, há o risco de racionamento de energia elétrica. Um racionamento conjunto de água e energia elétrica teria um efeito adicional sobre o crescimento do PIB de pelo menos -0,5 ponto porcentual.
Nesse contexto de atividade fraca, o objetivo da política monetária é outro desafio. O compromisso de fazer o que for necessário para atingir o centro da meta de inflação de 4,5% já no ano que vem é louvável e desejável. Mas pode exigir um aumento ainda maior de juros este ano, enfraquecendo ainda mais a atividade.
A fraqueza da economia não sinaliza necessariamente uma perspectiva favorável na inflação, ao menos na parte da alta que decorre de choques de oferta e aumentos de preços regulados. É provável que a inflação de administrados ultrapasse 10% este ano, levando a inflação para acima do teto da meta. É claro que devemos observar uma desinflação de preços de serviços, mas talvez não na magnitude desejada.
Em condições iniciais piores, o desafio é ter apoio político aos ajustes necessários na economia tanto pelo lado fiscal quanto monetário. Faz todo o sentido o apoio a ajustes que levem a uma recuperação mais rápida. Mas não me surpreenderia se, ao longo do ano, algum ajuste fosse adiado, como o de atingir o centro da meta de inflação já no ano que vem. Aí não seria mais a trindade "impossível".
*Ilan Goldfajno é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco
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