Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 27, 2013

Mentindo em Berlim, sem meias - Cultura - Versão Impressa - Estadão Mobile

Mentindo em Berlim, sem meias
JOÃO UBALDO RIBEIRO - O Estado de S.Paulo

A tecnologia cibernética e a globalização dificultam muito a vida dos escritores viajantes, cujos veneráveis patronos talvez sejam Heródoto, Marco Polo e, no caso da língua portuguesa, o grande Fernão Mendes Pinto, também ingratamente conhecido como "Fernão, Mentes". Era muito bom, quando se podiam fazer relatos assombrosos de monstros marinhos que engoliam navios inteiros sem mastigar, reis e imperadores que moravam em palácios de ouro maciço, rinocerontes voadores e portentos para qualquer gosto ou fantasia. Sumiram até mesmo os mentirosos de renome local, como os de Itaparica, hoje reduzidos a uma meia dúzia desalentada, que não pode competir com a tevê e mal reúne plateias minúsculas de dois ou três gatos-pingados, mesmo assim descrentes, desrespeitosas e contestadoras, que duvidam até de façanhas singelas, como a descrita numa das histórias contadas pelo finado Lamartine. O tocante episódio teve início quando o papagaio de Lamartine, presente da sua dele santa esposa, a também saudosa dona Naninha, fugiu de casa, onde vivia solto, poucas semanas antes de seu dono chegar à então avançada idade de sessenta anos, ocasião festiva para todos.

Para todos, mas não mais para Lamartine. O papagaio, fluente em várias línguas, cantor, imitador e assoviador exímio, cujo fino trato social se invejava até em círculos elevados, era o grande companheiro de Lamartine, parceiro de conversa e de observação do cotidiano, autor de chistes memoráveis e ditos até hoje celebrados, amigo de todas as horas. Mas, num inacreditável assomo de apunhalante ingratidão, não apareceu para o papo das cinco da manhã e, depois de toda a ilha procurar, dias seguidos, saber inutilmente de seu paradeiro, concluiu-se que havia fugido para sempre, abandonando, de maneira infame e reprovável, o amigo de tantos anos. Nem mesmo as artes sedutoras de alguma papagaia mais da pá virada podiam ser responsabilizadas, porque Jefferson, o papagaio, que por sinal era o rei do baixo linguajar, estava cansado de saber que qualquer papagaia, ou mesmo mais de uma, por mais safadinha que fosse, teria boa acolhida na casa do amigo, sem perguntas ou cobranças.

Não, não era aquilo, era ingratidão mesmo, privação dos sentidos, ou até demonstração de fraqueza de caráter e maus princípios, forçoso reconhecer. Apesar de dona Naninha ter organizado uma festança de aniversário, Lamartine fazia o possível, mas não conseguia sufocar a dor da traição. Na festa, dava um sorrisinho chocho aqui e ali, só por boa educação, e fingia contentamento, mas a tristeza era invencível. E estava assim sorumbático, encostado numa das coluninhas do alpendre, quando, bem do lado de onde sopra o apreciado vento nordeste, entre fiapinhos de nuvens alvas lá em cima e frondes de coqueiros cá embaixo, começa a ouvir-se uma espécie de crá-crá-crá longínquo, que logo se torna mais próximo, ao tempo em que, em harmonioso roteiro sobre os contornos da Ponta de Nossa Senhora, um verdadeiro esquadrão de papagaios, com um líder à frente, adeja gracioso na direção da varanda de Lamartine, cantando, em tom afinadíssimo, a música apropriada para o momento.

Sim, é o que vocês estão pensando. O irrepreensível Jefferson não desertara seu amigo Lamartine, nem tampouco se enrabichara por uma papagaia-dama, das muitas que por aí batem asas ao léu. Evidente que essas suposições eram falsas. Como pensam mal os que não conhecem a grandeza de coração e a devoção das amizades verdadeiras! Ele, sem dizer nada, para não estragar a surpresa, voara um belo dia para os matos, antes do amanhecer, a fim de realizar seu plano. Com o prestígio que tinha, não tardou a organizar um enorme coral de papagaios. E foi assim, todos ensaiados, que fizeram a revoada em torno da casa de Lamartine, cantando - adivinharam outra vez - "parabéns pra você". Homem não chora, mas dessa vez ele chorou. E Jefferson voltou para seu poleiro, onde permaneceu até a morte de Lamartine, pois todo mundo sabe que papagaio pode viver oitenta anos, mas não resiste à morte do dono.

É triste supor que muitos de vocês, quem sabe a maioria, não acreditam nesta história. Eu acredito; era menino, quando ouvi Lamartine contá-la e, nesse tempo, essas coisas podiam acontecer. Xepa me disse que acharam uma foto de outro tatu sendo fisgado, desta vez no Baiaco. É o terceiro, só nos últimos dois anos, e há os que acreditam que a pesca do tatu será regulamentada, mais cedo ou mais tarde, com multa de tatu e taxa de tatu. Mas, mesmo que a existência dessa foto se confirme, novamente vai ser desacreditada, nestes tempos céticos de factoides, photoshop e armações na internet.

Aqui, neste quarto de hotel em Berlim, não me ocorre uma única mentirinha decente para lhes contar, sem ser imediatamente desmoralizado. Mas invoco o fantasma de Lamartine, que, aliás, viu muitos, e ele me acode. Não apareceu pessoalmente, mas acho que me soprou a lembrança de que já ouvi vários conhecidos e até motoristas de táxi exclamarem "ohne Strümpfe!" ("sem meias!"), ao perceberem que não estou usando meias. Espantam-se porque não sinto frio. É verdade, circulei uma semana inteira por aqui, encasacado, mas sem meias. Bobagem, dirão os de má vontade, também não faz tanto frio lá, nesta época do ano. Ao que retrucarei que já morei em Berlim e saía sem meias no inverno. Pronto, eis aí uma bela notícia para as páginas de ciência dos jornais: há indivíduos que não usam meias no inverno do centro da Europa sem problemas, exceto, vez por outra, serem vistos como meio grossos - e eu sou um exemplo vivo, pois até patinar descalço no gelo garanto que posso encarar. Claro, há sempre a possibilidade de algum desmancha-prazeres entre vocês querer que eu faça uma demonstração no próximo inverno, mas aí eu desconverso e nego tudo, tenho aprendido com os bons exemplos.





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terça-feira, outubro 22, 2013

Uma concorrência sem concorrentes - Míriam Leitão - O Globo

Uma concorrência sem concorrentes

O leilão não foi um sucesso, porque foi uma concorrência sem concorrentes, mas o governo diz que sim e é natural que comemore. Depois de cinco anos, conseguiu fazer a primeira licitação do pré-sal. Dentro das circunstâncias, o consórcio que se formou foi o melhor possível. 

A Petrobras terá sócias experientes em exploração em águas profundas. Total e Shell são grandes empresas internacionais com uma carteira diferenciada de investimentos em campos no mar. As duas chinesas não têm a mesma história, mas fizeram, juntas, uma aposta de 20% do negócio.

A grande surpresa e que melhorou a qualidade do negócio foi, realmente, a entrada da francesa e da anglo-holandesa.

De todas elas, a Petrobras tem, de fato, maior controle da tecnologia de exploração de petróleo offshore, portanto, ela ser a líder do consórcio é a maior garantia de sucesso na produção.

A brasileira terá que entrar com R$ 6 bi dos R$ 15 bi do bônus de assinatura num momento em que está com dificuldades de caixa. Mas não é difícil para uma empresa do porte da Petrobras conseguir esses recursos. O "problema" é que tem muitos investimentos pela frente e é preciso estar mais forte financeiramente.

O governo, agora, deve conceder o pedido que a Petrobras tem feito de correção do preço da gasolina, o que melhoraria a geração de caixa da empresa no curto prazo.

O problema que o governo tem pela frente, agora, é rever ou aperfeiçoar o modelo de partilha, que não se saiu bem no teste.

Na última rodada, de concessão, pelas velhas regras, apareceram 60 empresas; desta vez, só 11 e duas não depositaram garantia. O governo esperava que 40 empresas fossem disputar esse leilão. Ficou evidente que muita coisa não funciona no modelo de partilha.

domingo, outubro 20, 2013

Visões para o futuro Merval Pereira,

POLÍTICA

Visões para o futuro

Merval Pereira, O Globo
O presidente a ser eleito em 2014 já pode contar com um roteiro básico sobre os caminhos a serem percorridos para que o país volte a ter desenvolvimento econômico sustentado, focado em políticas voltadas para a produtividade e a competitividade, para retomar uma expansão anual ao ritmo de 4%.
Os economistas Fabio Giambiagi (BNDES) e Claudio Porto (consultoria Macroplan) organizaram o livro “Propostas para o Governo 2015-2018 — Agenda para um País Próspero e Competitivo” (editora Elsevier), com análises e sugestões de políticas e iniciativas de interesse público de 40 especialistas.
Embora apontando os riscos para a economia, os coordenadores evitaram o pessimismo, substituindo-o pela indicação de saídas para situações que persistem no país, em busca de caminhos que possam reforçar a estabilidade macroeconômica: condução mais firme da política fiscal e do aprimoramento do combate à inflação; aumento de investimentos em infraestrutura; elevação da poupança doméstica — com destaque para a poupança pública — e melhoria acelerada de qualidade da educação.
O principal desafio do futuro governo no campo da economia está em elevar a produtividade, segundo os organizadores, que têm um consenso: será fundamental haver liderança política e melhoria da qualidade e solidez das instituições: “Quando conduzido por lideranças com visão de futuro e suportado por instituições confiáveis, os consensos são consolidados na sociedade, e os problemas podem ser superados”, conclui Claudio Porto.
O livro parte da visão de que o Brasil apenas “flertou” com o desenvolvimento sustentado, mas não deu o passo decisivo, suficiente para conduzir o país a um patamar mais elevado. Fez também menos que o mínimo necessário para se preparar para uma melhor inserção em um mundo crescentemente competitivo.
Fabio Giambiagi — em coautoria com Marcelo Kfoury Muinhos — destaca em seu artigo a visão que turva algumas das análises sobre o país: o mito de que o Brasil seguirá crescendo nos mesmos patamares da última década, quando o cenário internacional foi generosamente favorável ao país.
E sublinha que, mais recentemente, o Brasil vem colecionando uma galeria de más notícias, como baixas taxas de investimento e poupança doméstica, investimento público insuficiente, forte crescimento do gasto de custeio público, elevada carga tributária e crescimento do produto potencial inferior às necessidades de crescimento mais intenso.
O economista Claudio Porto, que assina outro artigo do livro em coautoria com Adriana Fontes, alerta que, nas condições atuais, o conceito de desenvolvimento não pode mais estar restrito ao crescimento econômico puro e simples.
A qualidade do desenvolvimento, segundo ele, tornou-se proeminente e deve ser medida por critérios abrangentes, incorporando aspectos sociais (como a qualidade de vida da população, os níveis de inclusão e distribuição de renda) e a preservação ambiental (com destaque para o uso e a preservação adequada dos recursos da natureza).
Os sinais de gargalos e desequilíbrio que acendem a luz amarela para o Brasil são listados pelos organizadores e extravasam as razões da crise internacional. Partem da inflação, elevada para padrões mundiais, e da baixa produtividade do trabalho, cerca de 20% do americano.
Também destacam o grau de abertura do Brasil, um dos menores do mundo: a soma das exportações e importações de bens é da ordem de grandeza de 20 % do PIB, enquanto na China é 70% e no Chile, 80%.
Os autores alertam ainda que o país já se ressente da ausência de um maior esforço e atenção em Educação ao longo de várias décadas. A qualidade do ensino ainda está em um patamar inaceitavelmente baixo. Entre nações emergentes, o Brasil é um dos piores na proporção da população adulta com educação secundária.
O governo a ser eleito em 2014 terá ainda que solucionar um dos mais urgentes temas atuais: a escassez de mão de obra qualificada. A taxa de graduados em engenharia no Brasil é de somente dois por dez mil habitantes, metade da taxa do Chile.
E mais: a taxa de crescimento da população em idade ativa está em declínio, e daqui a 20 anos o contingente absoluto desse grupo etário começará a encolher, o que se tornará um constrangimento sério para o crescimento econômico futuro.
PS: Dou uma folga aos leitores. A coluna volta a ser publicada em 5 de novembro.

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