Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 31, 2004

Diogo Mainardi Brasil, cúmplice de um crime

"Lula foi à África. De novo. Assinou acordos
para o plantio de mandioca com o ditador do
Gabão. Deveria ter aproveitado a viagem
para condenar o regime genocida do Sudão.
Preferiu falar sobre maracatu"
Sudão. De um lado, os milicianos árabes ou "janjawid". Do outro, a população negra da região de Darfur. Os milicianos árabes querem tomar a terra dos negros. Já assassinaram cerca de 30.000 pessoas. Incendiaram vilarejos. Praticaram estupros em massa. Raptaram crianças. Envenenaram as fontes de água. Um milhão de habitantes de Darfur foram obrigados a abandonar suas casas. Dois milhões estão desnutridos. Cento e cinqüenta mil se refugiaram no Chade. Trata-se da maior crise humanitária da atualidade. Que lado o Brasil escolheu nessa tragédia? O dos negros? Claro que não. O Brasil escolheu ficar com o regime do Sudão e seus esquadrões da morte árabes. Lula nos tornou cúmplices das atrocidades cometidas em Darfur.
A questão está sendo debatida no Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos, desde o fim de junho, defendem a imposição de sanções contra o regime ditatorial do Sudão, que arma e protege os milicianos árabes de Darfur. França, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Chile apóiam a iniciativa. O Brasil, não. Uniu-se à Argélia e ao Paquistão para obstruir a proposta americana. O representante brasileiro na ONU, Ronaldo Sardenberg, sugeriu dar mais tempo ao regime do Sudão. A Anistia Internacional calcula que 1.000 pessoas morrem por semana em Darfur. Dar mais tempo aos paramilitares sudaneses significa permitir o assassinato de ainda mais gente. Como disse o jornal Washington Post, o Brasil considera mais importante a soberania do que a vida.
Os parlamentares dos Estados Unidos, na última semana, definiram a situação em Darfur como um genocídio. Pediram uma intervenção urgente do governo americano, multilateral ou unilateral. Ou seja, com ou sem a ONU. George W. Bush ameaçou abertamente os chefes militares sudaneses, incitando-os a conter os "janjawid". O candidato do Partido Democrata, John Kerry, foi ainda mais veemente. Discursando na maior associação de negros do país, demandou a punição imediata dos mandantes do genocídio. O movimento negro americano pressionou os políticos a se ocupar do genocídio de negros no Sudão. A ministra de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, que representa o movimento negro brasileiro, optou por ignorar o imobilismo criminoso de seus colegas de governo.
Lula foi à África. De novo. Doou cinco ou seis computadores à população de São Tomé e Príncipe e assinou acordos para o plantio de mandioca com o ditador do Gabão, Omar Bongo, conhecido por ser o líder estrangeiro com o maior número de propriedades imobiliárias em Paris. O presidente deveria ter aproveitado a viagem à África para condenar o regime genocida do Sudão. Preferiu falar sobre maracatu. A megalomania petista considera o Brasil importante o bastante para merecer uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Neste ano, ocupamos uma cadeira rotativa. A primeira decisão relevante de nosso mandato foi sobre as sanções ao Sudão. Escolhemos o lado errado. Decidimos ser coniventes com um crime. Ainda bem que daqui a um ano e meio tomam de volta nossa cadeira rotativa.

domingo, julho 25, 2004

Diogo Mainardi Perde Brasil

"Usar dinheiro público para patrocinar o time
de voleibol a gente engole. Para patrocinar a
torcida é demais. O Banco do Brasil irá gastar
9,5 milhões de reais para patrocinar a torcida
brasileira nas Olimpíadas. O jeito é torcer contra
nossos atletas"


O time de voleibol do Brasil acaba de conquistar a Liga Mundial. As finais foram em Roma. Os torcedores brasileiros ocupavam um setor inteiro das arquibancadas. Vestiam camiseta amarela, com a marca do Banco do Brasil. Usar dinheiro público para patrocinar o time de voleibol a gente engole. Usá-lo para patrocinar a torcida é demais. O departamento de marketing do Banco do Brasil irá gastar 9,5 milhões de reais para patrocinar a torcida brasileira nas Olimpíadas de Atenas. O mote da campanha é Brilha Brasil. O jeito é torcer contra nossos atletas. Perde, Brasil.
Além de patrocinar a torcida do time de voleibol, o Banco do Brasil está patrocinando a torcida pela reeleição de Lula. Dois dos maiores dirigentes do banco, Henrique Pizzolato e Ivan Guimarães, trabalharam na última campanha presidencial lulista, respectivamente como arrecadador de fundos e coordenador financeiro. Pizzolato foi premiado com o cargo de diretor de marketing do banco e é responsável pela campanha Brilha Brasil. Guimarães tornou-se presidente do Banco Popular do Brasil e é acusado de ter defendido o patrocínio de 5 milhões de reais aos cabos eleitorais petistas Zezé di Camargo e Luciano. O Banco do Brasil gastou 70.000 reais nos espetáculos em que a dupla sertaneja arrecadou fundos para a construção da nova sede do PT. Pizzolato e Guimarães são ligados à CUT, que tem contado com o patrocínio do Banco do Brasil em seus principais eventos, como a festa de vinte anos e o oitavo congresso nacional. Lula é a grande atração da TV CUT, programa semanal feito pelos mesmos publicitários que administram a conta de propaganda do Banco do Brasil. Uma conta que vale 142 milhões de reais anuais.
Quem cuidou do dinheiro de Lula na campanha eleitoral agora cuida de nosso dinheiro no Banco do Brasil. Quem cuidou de sua segurança agora cuida de nossa segurança. Um dos guarda-costas de Lula, Francisco Baltazar da Silva, foi nomeado superintendente da Polícia Federal de São Paulo. Atualmente, está sendo investigado pela compra de 134 600 dólares através do doleiro Toninho da Barcelona. Outro guarda-costas de Lula, Mauro Marcelo de Lima, ganhou a função de diretor-geral da Abin, nosso serviço de espionagem. Entre suas credenciais, há um curso de dublagem e uma ponta numa telenovela de 1982, Elas por Elas. Agente secreto com pendores artísticos é sempre uma temeridade. Em seu discurso de posse, algumas semanas atrás, Mauro Marcelo admitiu estar na "torcida por um bis" presidencial de Lula. O serviço de espionagem dos Estados Unidos, no passado, também torceu pela reeleição de um presidente. O resultado foi Watergate.
As campanhas pelo time de voleibol e pelo bis de Lula só perdem para a campanha pelo desarmamento. O sofisma é o seguinte: o cidadão corre mais riscos com uma arma na mão do que sem ela. O que se pretende demonstrar é que a responsabilidade pelo crime é nossa, não do poder público. Se os guarda-costas de Lula não sabem defender a população, então não podem impedi-la de tentar se defender por conta própria, mesmo que de maneira desastrada. Bem mais honesto do que desarmar o cidadão com falsos argumentos seria oferecer-lhe um curso de tiro e defesa pessoal. Todo mundo com uma arma no coldre e andando a cavalo. Perde, Brasil.

sábado, julho 10, 2004

Diogo Mainardi Pobre é bom negócio

"Os pobres, nos livros de Guimarães Rosa,
falam melhor do que nós, pensam melhor do
que nós, se comportam melhor do que nós.
Rosa glorifica a bandidagem, as idéias
e a espiritualidade dos pobres. Ele era
o John Travolta da 'nonada'"

10/7/2004





A gente gosta de pobres. A gente gosta tanto deles que nunca pensou em torná-los menos pobres. A gente gosta de votar em pobres, de reclamar de pobres, de escrever sobre pobres. De fato, a literatura brasileira desapareceria se não fossem eles. A Feira de Livros de Paraty acaba de homenagear Guimarães Rosa, o maior representante do pauperismo na literatura nacional. Os pobres, em seus livros, falam melhor do que nós, pensam melhor do que nós, se comportam melhor do que nós. Dá vontade de largar tudo e ir morar no sertão mineiro. Enquanto eu atravesso a Visconde de Pirajá para comprar meio quilo de alcatra no açougue, os sertanejos rosianos atravessam um universo épico. Enquanto eu combato os cupins no chão de sinteco da sala, eles combatem o Diabo em pessoa. Rosa glorifica a bandidagem, as idéias e a espiritualidade dos pobres. Uma espiritualidade muito semelhante à sua, aliás. Rosa conseguia acreditar simultaneamente em umbanda, kardecismo e cientologia. Era o John Travolta da "nonada".
Lula, no balanço de um ano e meio de poder, tentou demonstrar que está trabalhando pelos pobres, embora não tenha podido dar um aumento relevante do salário mínimo. Um aumento para 275 reais, segundo os economistas petistas, representaria um custo adicional aos cofres públicos de cerca de um bilhão e meio de reais. Um bilhão e meio de reais é a quantia que Lula gasta anualmente em propaganda, para persuadir o eleitorado pobre de que ele está trabalhando pelos pobres. Que eu saiba, nenhum governo do mundo gasta tanto em propaganda quanto o nosso. Um bilhão e meio de reais foi também o que a Petrobras gastou para comprar uma distribuidora de botijões de gás. O maior problema do Brasil é o gigantismo do Estado. Como responde Lula? Aumentando ainda mais o Estado. Um bilhão e meio de reais, enfim, é bem menos do que Lula gastou na liberação de recursos aos seus aliados, para obter votos no parlamento ou para financiar obras eleitoreiras. A democracia brasileira se fundamenta no achaque eleitoral e na compra de votos.
Lutar pelos pobres, no Brasil, é sempre um bom negócio. O caso mais flagrante é o das aposentadorias aos perseguidos pelo regime militar. José Dirceu foi um dos primeiros beneficiários da Lei de Anistia, passando à frente de muitos octogenários e nonagenários mais pobres do que ele. A rigor, Dirceu ficou menos pobre por ter defendido uma revolução comunista em favor dos pobres. Uma dúvida: ele entrega um quinhão de sua aposentadoria ao partido ou a regra se aplica apenas ao seu salário ministerial? Quem também furou a fila da Comissão de Anistia e garantiu uma rica aposentadoria vitalícia foi Carlos Heitor Cony. Como se sabe, Cony contestou duramente o regime militar, sobretudo quando esteve na direção de órgãos subversivos como a revista Desfile ou quando se prestou a redigir os manifestos indignados do grande revolucionário Adolpho Bloch.
Ainda bem que o Brasil tem tantos pobres. Dá e sobra para todo mundo: para os escritores, para os políticos, para os revolucionários, para os jornalistas. O que seria de nós sem tantos pobres?

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