Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 13, 2003

Diogo MainardiDiplomacia da rapadura


"O Brasil não precisa de política externa,
precisa só de preços baixos. Deveríamos
transformar
nossas embaixadas em frigoríficos
para frango congelado e suco de laranja"

Vamos vender rapadura aos árabes. Foi o saldo da viagem de Lula ao Oriente Médio. O contrato para o fornecimento de rapadura depende da construção de uma refinaria de açúcar na Síria, por parte de usineiros de Ribeirão Preto. Não entendi se o empreendimento irá contar com dinheiro do BNDES. Entendi apenas que o Brasil não receberá investimentos dos árabes, serão os árabes a receber investimentos dos brasileiros. Para um mascate internacional, como Lula definiu a si mesmo, o resultado não é muito animador: 150 milhões de dólares aplicados num país que está na bica de sofrer um boicote econômico.

Os usineiros de Ribeirão Preto que irão construir a refinaria na Síria são antigos aliados do PT. Eles financiaram as campanhas eleitorais de Antonio Palocci. O prefeito petista de Piracicaba, José Machado, também foi financiado por usineiros da região. José Machado era sócio do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel numa empresa de consultoria que intermediava licitações em prefeituras do PT. Outros sócios da empresa eram Miriam Belchior, atual secretária de Lula, e Sérgio Gomes, suspeito de ser o mandante do assassinato de Celso Daniel. Luiz Gu-shiken também tinha uma empresa de consultoria, contratada pelo PT para traçar o projeto da reforma da Previdência. Quando virou ministro, Gushiken tratou de nomear os diretores dos fundos de pensão das estatais. O setor, um dos mais ricos da economia, está inteiramente nas mãos dele. Os petistas podem não saber cuidar dos interesses da nação, mas sem dúvida sabem cuidar de seus próprios interesses.

Tudo indica que Lula pretende inserir o Brasil no falido movimento dos países não-alinhados. Ele repete sem parar os bordões do movimento sobre o multilateralismo e a cooperação Sul-Sul. Os cinco países árabes que ele visitou são não-alinhados, assim como Bolívia, Peru e Venezuela, que receberam dinheiro público brasileiro ao longo do ano. O maior engano do PT é acreditar que mais peso político significa mais poder de barganha no comércio internacional. O Brasil não precisa de política externa, precisa só de preços baixos. Deveríamos transformar nossas embaixadas em frigoríficos para frango congelado e suco de laranja. Deveríamos também abrir mão da cadeira no Conselho de Segurança na ONU, e ficar em silêncio por algum tempo. Iraque? Israel? Palestina? Cuba? Colômbia? Problema deles. Não temos nada a ver com isso. Os brasileiros, sempre que deparam com um mendigo, viram a cara e fingem que não estão vendo. É o jeito certo de agir diante dos grandes conflitos mundiais.

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Na semana passada falei sobre a dificuldade de encontrar escola para meu filho deficiente. Recebi montes de cartas. Fui parado na rua. Me telefonaram. Muitos pais sofreram a mesma discriminação. O Brasil está cheio de gente boçal. Mas também está cheio de gente dedicada e corajosa, que se mexe, que protesta, que acolhe. Relataram-me uma infinidade de experiências bem-sucedidas em escolas espalhadas pelo país, de Maringá a Maceió. Foi bom saber. Não somos um caso perdido.

sábado, dezembro 06, 2003

Diogo Mainardi Deficientes discriminados


"Ter um filho deficiente não é nenhum drama, nenhum peso, nenhum problema. Basta que
os outros não perturbem.
Os pais de crianças
deficientes não querem favores nem comiseração.
O que eles querem é que as crianças tenham a
oportunidade de conviver com outras crianças"

Rio de Janeiro. Teimei em morar de frente para o mar. Difícil encontrar apartamento. Tudo caro demais. Comicamente, os melhores que visitei pertenciam a gente ligada à política. O primeiro era de Antonio Carlos Magalhães. O segundo era da filha de Tancredo Neves, mãe de Aécio. Perdi este último para uma herdeira de Getúlio Vargas, ex-mulher de Moreira Franco. Estou pensando em lançar minha candidatura a governador de Roraima.

Mais difícil que encontrar apartamento é encontrar escolinha para meu filho. Ele é deficiente físico. Escolinhas não querem deficientes por perto. Três delas já nos enxotaram. Eram escolas alternativas, piagetianas, daquelas que ensinam a plantar feijão e a melecar as paredes com tinta vermelha. Mil reais de mensalidade. Você pode achar que não é problema seu. Engana-se. É em escolinhas como essas que seus filhos estão estudando. Aprendem o preconceito desde cedo. Aprendem a afastar quem parece diferente deles.

Na Escola Nova, a diretora barrou meu filho na porta. Disse que não estava preparada para educar quem não sabe andar. Se ela não está preparada para educar uma criança deficiente de 3 anos, não está preparada para educar ninguém. Como sou endinheirado, ofereci algumas facilidades: material escolar adaptado, orientação por parte das terapeutas de meu filho e uma assistente de plantão na sala de aula para ajudar sempre que necessário. No caso de deficientes, porém, nem o indefectível privilégio de classe brasileiro funciona: ricos e pobres são discriminados do mesmo jeito.

Em outra escolinha, chamada Vilhena de Moraes, a coordenadora informou que aceitava portadores de todos os tipos de deficiência, menos os deficientes físicos. Criou uma discriminação dentro da discriminação, como num sistema de castas. O pária é meu filho. No Espaço Educação, a coordenadora recusou-o alegando falta de pessoal. Eu repeti que estava disposto a pagar o salário de uma assistente, em tempo integral. Não adiantou. Fomos despachados.

Ter um filho deficiente não é nenhum drama, nenhum peso, nenhum problema. Basta que os outros não perturbem. Os pais de crianças deficientes não querem favores nem comiseração. Pelo contrário: sentem um orgulho desmesurado de seus filhos. O que eles querem é que as crianças tenham a oportunidade de conviver com outras crianças. Nada de muito complicado.

Outro dia, Lula posou para fotografias com os atletas paraolímpicos. Foi mais uma manobra eleitoreira do presidente. Quando chegou a hora de agir, ele escolheu o lado oposto: vetou a transferência de recursos para entidades particulares que atendem deficientes e vetou a isenção de IPI e do imposto de importação sobre equipamentos como cadeiras de rodas. Nos anos 70, todo mundo tinha um contrabandista de uísque escocês. Eu, agora, tenho de apelar para um contrabandista de apetrechos ortopédicos. Acabo de receber um moderno andador de alumínio. É a muamba fisioterápica.

O Brasil discrimina portadores de deficiência assim como discrimina negros. O maior entrave para o crescimento do país é a nossa infinita ignorância. Quando eu for governador de Roraima, garanto que todos terão acesso à escola e todos terão apartamentos de frente para o mar, se é que Roraima tem mar.

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