Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2003

Diogo Mainardi A bomba do boi-bumbá


"Eu gostaria que Lula esclarecesse que
ensinamentos os intelectuais podem tirar
do boi-bumbá. Aliás, nem sei o que é um
intelectual para Lula, se é um catedrático
petista da USP ou simplesmente alguém
com o ginasial completo"

Em Parintins, Lula ironizou os intelectuais dizendo que eles tinham muito a aprender com a festa do boi-bumbá. Uma semana antes, já havia reclamado que os intelectuais se aposentam aos 53 anos, enquanto os cortadores de cana precisam trabalhar até os 60. Antes de assumir o poder, Lula gostava de se cercar de intelectuais. Agora mudou. Debocha deles.

Dois intelectuais compareceram à festa do boi-bumbá deste ano – Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura. Ambos lulistas, por sinal. Foram convidados pelo guaraná Kuat, o principal patrocinador do evento. Assistiram aos desfiles no camarote do Kuat Clube, trajando camisetas Kuat, e, da mesma forma que as menos intelectualizadas Joana Prado e Samara Filipo, puderam usufruir as comodidades da ilha do Kuat e do iate Kuat. É uma prova de que os intelectuais são bem menos abestalhados do que Lula imagina. Se fossem tão abestalhados assim, pagariam suas viagens do próprio bolso.

Pelo que consegui entender, o boi-bumbá funciona como os desfiles das escolas de samba, só que há apenas dois blocos, Caprichoso e Garantido, e o enredo é sempre o mesmo, ano após ano. Baseia-se numa lenda local. A mulher grávida do negro Francisco deseja comer uma língua de boi. O negro Francisco sacrifica o boi predileto de seu patrão para satisfazer a mulher. O patrão fica contrariado e manda matar o negro Francisco, que foge para o meio do mato e pede ajuda a um pajé. O pajé ressuscita o boi, e tudo termina em festa. Eu gostaria que Lula esclarecesse que ensinamento os intelectuais podem tirar dessa história. O único que eu consigo tirar é que o povo é infinitamente estúpido, mas não creio que o presidente se referisse a isso. Aliás, eu nem sei o que é um intelectual para Lula, se é um catedrático petista da USP ou simplesmente alguém com o ginasial completo.

O fato de os intelectuais se aposentarem aos 53 anos também não me parece escandaloso. Lula, que não é um intelectual nem nada, conseguiu uma barganha ainda melhor, aposentando-se aos 50 anos, com rendimentos especiais. Muito mais justo do que comparar os intelectuais aos cortadores de cana teria sido compará-los aos usineiros. O governo prometeu investimentos de 550 milhões de reais para a estocagem de álcool. Além disso, os usineiros do Nordeste pleiteiam 500 milhões de subsídios, um pouco mais do que embolsaram no ano passado. Os brasileiros plantam cana há 500 anos. Nada mudou de lá para cá. Ainda fazemos queimadas, ainda usamos mão-de-obra escrava, ainda embriagamos os pobres com aguardente de má qualidade, ainda surrupiamos o dinheiro público.

Nos anos 60, quando a economia chinesa começou a afundar, Mao lançou a chamada campanha de reeducação, em que os intelectuais eram ridicularizados em público e mandados para trabalhos forçados no campo. Lula não é Mao. Ele pode achar que existe mais sabedoria no boi-bumbá do que em Aristóteles, mas nunca vai mandar os intelectuais cortar cana. Só vai persegui-los com erros de concordância.

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