Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 09, 2003

Diogo Mainardi No país do Carnaval

"Por trás da fachada irreverente do Carnaval, só há um desavergonhado
e rastejante
beija-mão"

O camarote de Gilberto Gil, em Salvador, consagrou a ascensão do novo poder político brasileiro. O ministro Antônio Palocci, acompanhado pela mulher, Margareth, apareceu com uma camisinha pendurada no pescoço. Onde Palocci estava no Carnaval de 2002? No desfile de escolas de samba de Ribeirão Preto? Ou vistoriando os estragos causados pelas enchentes em sua cidade? E o ministro Jaques Wagner? No ano passado, ele proferiu um discurso contundente sobre a farra de recursos públicos no Carnaval baiano, acusando a prefeitura de Salvador de "engordar os bolsos de fabricantes de bebidas e trios elétricos". Neste ano, ao lado do prefeito Imbassahy, Wagner rendeu-se à atmosfera festiva do camarote de Gil. Com muito uísque e cerveja grátis, assistiu à passagem dos trios elétricos abraçado à mulher, Fátima, que vestia um "top" da estilista Vera Arruda, segundo as colunas sociais. No discurso do ano passado, Wagner também denunciou o ex-governador Antonio Carlos Magalhães de se valer da construtora de seu ex-genro para desviar as verbas do orçamento da Bahia e depositá-las em contas particulares no Econobank, das Ilhas Cayman. Excepcionalmente, Antonio Carlos Magalhães não compareceu ao camarote de Gil neste Carnaval. Mas compareceu em 2002. E em 2001. E em 2000. Em 2002, ao vê-lo no camarote de Gil, o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar prestou-lhe uma comovida homenagem. Em 2001, a banda Chiclete com Banana proclamou que "A Bahia não vai deixar ACM só". Em 2000, o bloco Filhos de Gandhi definiu-o como "o presidente da moralidade do Brasil". Carnaval é assim mesmo. Por trás da fachada irreverente, só há um desavergonhado e rastejante beija-mão. Basta ver a Beija-Flor, que ganhou o concurso das escolas de samba do Rio de Janeiro com seu enredo chapa-branca, de propaganda oficial, abençoado por aquele assustador fantoche de Lula.

A filha do ministro José Dirceu foi fotografada no camarote de Gil. No ano passado, quem passou por lá foi um dos filhos do ex-presidente Fernando Collor de Mello, Arnon. Outro filho ilustre, José Sarney Filho, mereceu elogios de Gil por sua atuação como ministro do Meio Ambiente do governo Fernando Henrique Cardoso. Gil votou em Fernando Henrique em 1994, contra Lula. Em 1998, um primo de Collor, Euclides Mello, então candidato ao governo de Alagoas, declarou contar com o apoio de Gil. Onde Euclides Mello se encontrava no Carnaval de 2003?

Se o camarote de Gil pode ser usado para traçar o mapa do poder político no Brasil, outra notícia do período de Carnaval, dada sem o menor destaque nas páginas locais de O Globo, ajuda a delinear o perfil moral do brasileiro: "Walter Barbosa Júnior furtou a carteira do turista chileno Ricardo Ramos. Após uma perseguição, um grupo de trinta banhistas espancou o ladrão, levando-o para o mar, na tentativa de afogá-lo, o que só não aconteceu pela ação de seis guardas". Naquela segunda-feira, o jornal estava cheio de referências aos dois malfeitores do momento, Fernandinho Beira-Mar e Silveirinha. Os trinta linchadores de Copacabana foram perdoados. O Brasil não tem espaço para tantos vilões ao mesmo tempo.

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