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O GLOBO
Era duro criar duas filhas adolescentes numa cidade falida, tomada pelo tráfico e a bandidagem e aterrorizada por assaltos e sequestros
Quem já desfrutou do prazer de passear despreocupado por onde quiser, com quem quiser, na hora que quiser, como em Tóquio, Lisboa, ou até a vizinha Montevidéu, sabe do que falo. As gerações de cariocas que andam olhando para os lados, esperando um assalto, uma bala perdida ou um achaque policial talvez nem consigam imaginar como é bom viver essa situação numa cidade tão linda. Mas, acreditem, entre os anos 50 e 60, o Rio foi assim. Não é nostalgia, é história.
No inicio dos anos 80, com uma baita crise econômica e a ditadura já caindo de podre, era duro criar duas filhas adolescentes numa cidade falida, tomada pelo tráfico e a bandidagem e aterrorizada por assaltos e sequestros. Eu vivia numa paranoia permanente, num tempo de comunicações precárias, quando qualquer atraso na volta da praia, da escola ou de uma festa já me deixava roendo as unhas e rezando. Me queixei ao analista:
— Não aguento mais. Estou ficando paranoico.
Ele sorriu, lacanianamente, e me tranquilizou. Ou apavorou mais:
— Numa cidade assim, a paranoia é o método.
Dez anos depois, já morando em Nova York com outra filha adolescente, apesar da segurança da cidade em plena tolerância zero da administração Giuliani e com o celular para me avisar de algum atraso ou mudança de planos, continuei paranoico.
Uma madrugada acordei assustado, ela ainda não tinha chegado nem avisado. Celular desligado. Dia quase nascendo. Pânico em Nova York. Quando já pensava em ligar para o 911 da polícia, ela apareceu. A bateria do celular tinha acabado.
Vendo meu estado deplorável, ela ficou com muita pena e tentou entender a minha aflição.
— Mas pai… Por que você fica assim? O que você acha que podia ter acontecido ?
—Ah, tudo… Um maluco que te joga na frente do trem do metrô… uma gangue selvagem que te encurrala num beco do Soho …
Ela riu com carinho.
— Ah, pai, vai escrever ficção! Good night.
Depois daquela noite me tornei ficcionista, escrevi três romances usando minha paranoia para divertir o leitor e para me livrar dela.
Agora só sou paranoico com meus netos.