Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 22, 2006

VEJA Paraíso bandido

Paraíso bandido

Um ex-presidiário australiano
retrata a miséria da Índia


Jerônimo Teixeira


Depois de um divórcio litigioso em que perdeu a custódia da filha, o australiano Gregory David Roberts se entregou ao desespero – e à heroína. Para sustentar o vício, começou a praticar assaltos. Encarcerado em uma prisão de segurança máxima, em 1978, fugiu dois anos depois. Deixou a Austrália para se embrenhar nas favelas de Mumbai, na Índia, onde montou uma clínica para atender os pobres – e se envolveu com a máfia local. Capturado anos depois na Alemanha, Roberts foi repatriado para cumprir o final de sua pena. Sua história aventuresca daria um grande livro de memórias – e é quase isso que ele entrega ao leitor em Shantaram (tradução de Rosana Telles; Landscape; 820 páginas; 89 reais). O livro – que deve ser adaptado para o cinema, com Johnny Depp como protagonista – é uma versão romanceada da vida de seu autor. Seu aspecto mais interessante, porém, não está no enredo policial, mas na crônica vívida do cotidiano na Índia.

Sebastian D'Souza/AFP
Gregory David Roberts: gângster filosófico e metáforas duvidosas


Como era de esperar de suas 800 páginas (e o autor ainda prometeu uma seqüência), Shantaram tem seus excessos. Roberts abusa de metáforas duvidosas, típicas de quem não leu muita coisa mas quer "escrever bonito" – "noite de ametista", "uma voz em meu sangue" etc. A paixão à primeira vista que une Lin, o alter ego de Roberts, a uma mulher com suspeitas conexões no submundo de Mumbai (a cidade, aliás, é referida pelo nome antigo, Bombaim) é convencional demais até para os padrões da literatura de aeroporto. E o leitor ainda tem de aturar um gângster afegão que posa de filósofo, com bobagens do tipo "cada batida de coração humano é um universo de possibilidades". Roberts compensa com uma visão singular da miséria indiana. O linchamento de um motorista que causou um acidente de trânsito e o mercado de crianças escravas constituem cenas memoráveis. São experiências perturbadoras até para Lin, o bandido-herói. Mas, para além do choque, ele encara tudo com um tremendo fascínio. Roberts parece sugerir que países emergentes como a Índia, com sua cruel combinação de riqueza e miséria, são o paraíso para criminosos fugitivos.

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