Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 22, 2006

Luís Nassif - Juros com camisinha

Folha de S. Paulo
22/6/2006

Ao manipular dados, os economistas do Ipea se valem do nome do órgão
para se posicionar politicamente

SUPONHA uma empresa deficitária, com custos de produção elevados e
uma dívida de curto prazo que come a maior fatia do seu faturamento.
Qualquer analista minimamente coerente levantaria os números da
companhia, os itens de maior peso e, entre eles, o custo financeiro.
Daria sugestões sobre como racionalizar pessoal, sobre como reduzir
despesas com benefícios (se não puderem ser pagos) e, visto que o
maior peso é o custo financeiro, trataria de se debruçar sobre ele e
avaliar as alternativas possíveis. O maior item de despesa deve
merecer o maior tempo de análise.
Tome-se, agora, os principais especialistas em contas públicas no
país, Raul Velloso, Fabio Giambiagi, o grupo de conjuntura do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). São capazes de
destrinchar todas as linhas das contas públicas e, em relação aos
juros, atuarem como bagres ensaboados. É como se não existissem juros
no país dos mais altos juros do planeta. Não ousam questionar o
gestor financeiro sobre a possibilidade de pagar menos juros nem
sequer reconhecer o problema. Menos ainda se debruçar sobre a questão
do livre fluxo cambial, razão maior para a volatilidade no câmbio e a
manutenção de taxas de juros elevadas.
Quando se trata de dinheiro que volta para o contribuinte ou para a
população, o jogo é outro. Manipula-se a planilha, que tudo aceita.
Na coluna de ontem, Sonia Racy, do "Estado de S.Paulo", ouviu o
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio
Sergio Gomes de Almeida, sobre os estudos do Ipea, indicando que o
governo teria gasto R$ 250 bilhões com o aumento do salário mínimo de
1995 a 2006. Júlio se debruçou sobre o trabalho e constatou que a
metodologia utilizada foi levantar o aumento do gasto a cada ano e
corrigir pela taxa Selic -a maior taxa de juros do mundo.
No final de 2002, a Secretaria do Tesouro Nacional e o próprio
Giambiagi publicaram duas obras-primas tentando provar que as taxas
de juros praticadas a partir do Plano Real não tinham sido a
principal causa do crescimento da dívida pública, mas sim a
incorporação de "esqueletos" de Estados e municípios. Descobriram os
juros com camisinha, incapaz de procriar.
Vai-se conferir, o trabalho da STN tinha considerado como esqueleto o
aumento das dívidas estaduais antes da federalização (cuja causa
maior foi a alta da Selic) e depois da federalização, quando a
correção foi exclusivamente pela taxa Selic.
Ou seja, não recorrem à Selic para avaliar a dinâmica da dívida
pública; mas são capazes de utilizá-la como indexador de despesas
sociais. Depois se ofendem quando taxados de cabeças de planilha.
Ao manipular dados dessa maneira, os economistas do Ipea do governo
Luiz Inácio Lula da Silva estão se valendo do nome do órgão para se
posicionarem politicamente. Já se pronunciaram contra o aumento de
verbas para programas assistenciais; já manipularam indicadores para
combater o salário mínimo. Com essa manipulação despudorada da
planilha, apropriam-se de um papel político que não é deles,
escudando-se atrás de uma pretensa neutralidade técnica que eles não
têm.

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