ESTADÃO
Os países são expressões geográficas e os Estados são for mas de equilíbrio político. A Pátria, porém, transcende esse conceito: é sincronismo de espí ritos e corações, aspiração à grandeza, comunhão de esperanças, solidariedade sentimental de uma raça. Enquanto um país não é Pátria, seus habitantes não formam uma Nação. Este breve resumo, pinçado de um dos mais belos ensaios morais sobre a mediocridade, de autoria de José Ingenieros, serve como lição aos nossos gover nantes na abertura deste ano, que abrirá grande espaço para confabulações politiqueiras, interesses venais e promessas en ganosas embaladas nas cores do patriotismo, no fluxo das composições que alimentarão uma das mais ferrenhas disputas eleitorais da atualidade.
Construir a Pátria para se al cançar o estágio avançado de Nação se configura como o primeiro dever do homem público.
Eis o desafio que se apresenta aos políticos em 2006. A idéia pode até parecer despropositada aos porta-vozes da politicagem e demagogos que fartam os apetites com a exploração do sentimento cívico das populações.
Mas a verdade é que, depois de 506 anos do Descobrimento, a Pátria brasileira é apenas arremedo de um bom conceito. Estamos longe daquela emulação coletiva que distingue na Mãe Pá tria o anelo da dignidade. Basta observar a deficiência das estruturas públicas. O vácuo entre os Poderes e a sociedade é oceânico. A descrença nas instituições se espraia vertiginosamente.
Um poder sem moral se instala nos ambientes. As fontes éticas se esgotam. As injustiças ganham corpo, escudadas no desleixo e na incúria de administra ções, na irresponsabilidade de governantes, na desobediência às leis e no acesso desigual dos cidadãos aos canais da Justiça.
Os traços da civilização brasileira carregam uma dose elevada de tintas da barbárie. A modernidade que se vê ao redor, nos grandes centros e até no interior do País, simbolizada por avanços da tecnologia, pela capacidade de produzir bens e ser viços sofisticados, pela revolução nas comunicações, na moda, na cultura e nos costumes, não consegue passar a borracha no Brasil do analfabetismo funcional (que atinge 38% dos brasileiros), do território violento, das riquezas devastadas pela ambi ção, da desintegração de padrões de relacionamento social e do solapamento de valores fundamentais, como o culto à famí lia, o cumprimento do dever, o respeito às tradições e a defesa do bem comum. Alguém poderá objetar: mas essa é a inversão moral que toma conta do mundo, ou o paradigma do 'puro caos', como assim designa Sa muel P. Huntington, quando assinala a ruptura da ordem, a anarquia crescente,LEO MARTINS
a onda global de criminalidade, a debilita ção geral da família e o declínio na solidariedade social.
A hipótese é razoável, mas o adendo é indispensável: o Brasil põe um molho peculiar no menu da en tropia universal, com as mazelas do passado colonial, entre as quais o patrimonialismo, cujo DNA teima em fundir a res publica
com a coisa privada. Essa é a razão da crise e a raiz de nos sas excrescências. Por isso mesmo, a políti ca, entre nós, é profissão, e não missão. Para corrigir o conceito urge refundar a República cor rompida. Quando uma República se corrompe - lembra Montesquieu -, não se pode remediar nenhum dos males que nascem, a não ser eliminando a cor rupção e voltando aos princípios. Como combater a corrupção sem eliminar os corruptos? Eis o dilema. A assepsia deve ser geral. A começar pelo Poder Executivo, cujas atitudes devem guiar-se pela idéia de um projeto de longo prazo para o País, com escala de prioridades e abolição de casuísmos, gastos perdulários, cooptação ilícita de apoios e partidarização do Esta do, com empreguismo e loteamento de setores. O corpo parlamentar há de aceitar a concepção de que mandato ganho nas urnas pertence ao povo, não pertencendo a ele. O representante é um fiduciário que defen de interesses gerais, e não particulares, e que tem deveres e direitos, entre os quais o ganho pelo trabalho. E não o desleixo ou a locupletação quando falta ao serviço, como ocorre na atual convocação extraordinária do Congresso.
Os quadros do Judiciário hão de lembrar que 'os juízes devem ser mais reverendos que aclamados e mais circunspectos que audaciosos', elegendo a integridade como virtude, como ressalta Bacon. Se os Poderes cumprissem as funções que lhes são atinentes, o País avançaria, e muito, em 2006. As leis seriam mais obedecidas. As instituições, mais respeitadas. A cidadania ampliaria seus foros. E as sombras que escondem perfis de caráter maculado refluiriam sob o sol de um tempo mais claro e menos corrosivo.Teríamos menos violência nas ruas. Partidos e candidatos assépticos. Campanhas mais éticas e menos extravagantes. Discursos sérios. Eleições mais limpas. Menos sujeira nas sarjetas da política. A fé voltaria a brotar nos corações.
O velho Confúcio, visitando a montanha de Taishan, encontrou uma mulher cujos parentes haviam sido mortos por ti gres. 'Por que não se muda daqui?' A resposta inquietou o sábio: 'Porque os governantes são mais ferozes que os tigres.' Os políticos brasileiros precisam trabalhar para, em 2006, diminuir as distâncias que separam território, País, Pátria e Nação.
Ganhariam aspecto de bichos mais confiáveis e, quem sabe, a confiança do povo brasileiro. ?
Entrevista:O Estado inteligente
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