FOLHA DE SP - 29/07
Complexidade do processo e teor das provas dificultam condenações pelo Supremo, cuja decisão emitirá um sinal sobre o futuro da corrupção
Sob qualquer ângulo que se considere, é superlativo o desafio que o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentará a partir de quinta-feira, com o julgamento do mensalão.
Não se trata somente do maior processo nos 121 anos de história do tribunal, mas também do caso mais complexo -e de maior impacto político- que terá sido levado ao exame da corte.
Quando terminar de julgar os 38 réus, cada ministro terá enfrentado depoimentos de mais de 600 testemunhas, ponderações de meia centena de advogados e, no mínimo, um mês de sessões plenárias.
O resultado dessa maratona será anunciado em mais de mil decisões individuais, pois cada um dos 11 ministros precisará pronunciar-se sobre as várias acusações, uma a uma, que pesam contra cada réu. Decisões contra as quais ainda poderão ser interpostos recursos -tanto pela defesa quanto pela acusação, a cargo da Procuradoria-Geral da República (PGR).
É no conteúdo das decisões, para além da quantidade, contudo, que reside o desafio maior dos ministros. E é pela excelência técnica do trabalho que eles serão avaliados. Está em exame o maior escândalo de corrupção ocorrido no país depois do Collorgate (1992).
De acordo com a PGR, o mensalão foi um esquema ilegal de financiamento político organizado pela cúpula do PT para garantir apoio ao governo comprando votos no Congresso Nacional em 2003 e 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A acusação sustenta que o mensalão foi alimentado com recursos públicos desviados pelas agências de publicidade do empresário Marcos Valério em meio a supostos empréstimos dos bancos Rural e BMG. O esquema teria distribuído ao menos R$ 43 milhões ao PT e mais quatro partidos aliados.
A gravidade do ocorrido pode ser medida pelas palavras do próprio Lula. Não as de hoje, calcadas na tese hipócrita de que se tratou de uma farsa golpista. Melhor confiar nas que foram proferidas no calor da hora, quando o então presidente se mostrava bem mais realista.
Em pronunciamento no dia 12 de agosto de 2005, pouco mais de dois meses após o ex-deputado Roberto Jefferson revelar o mensalão em entrevista a Renata Lo Prete, nesta Folha, o ex-presidente afirmou que se sentia "traído por práticas inaceitáveis".
Lula procurava se desvincular do esquema. Seus companheiros do PT logo passaram a martelar a versão de que tudo não teria passado de um episódio rotineiro de distribuição de sobras de campanha.
Para a PGR, essa alegação não passa de diversionismo. A denúncia, com efeito, distribui acusações de evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, peculato (desvio de bens por funcionário público), gestão fraudulenta de instituição bancária, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (as duas últimas são as mais frequentes).
Evidências colhidas em sete anos de investigações, entretanto, não seriam suficientes, aos olhos de alguns especialistas, para caracterizar a ilicitude em duas questões centrais: a finalidade do esquema e a natureza dos recursos.
Não há nos autos elementos que sustentem de forma inequívoca a noção de que o objetivo do mensalão era comprar respaldo no Congresso. Sem a demonstração de que os pagamentos foram oferecidos em troca de apoio parlamentar, perdem alguma força as acusações de corrupção.
Quanto ao dinheiro, o STF precisará se pronunciar sobre sua origem, se pública ou privada. Comprovar o desvio de recursos públicos é pré-requisito para algumas acusações de lavagem de dinheiro, por exemplo.
Parece muito provável que o mensalão tenha envolvido desvio de verbas públicas, boa parte das quais foi distribuída por próceres do PT entre correligionários e aliados. E mesmo que fosse apenas para saldar dívidas de campanha, que outro objetivo haveria nos pagamentos se não o de aliciar apoio (votos) no Congresso?
O julgamento do mensalão produzirá decisões que se tornarão referência para processos futuros. Os votos dos ministros ajudarão a fixar conceitos penais para quesitos importantes como compra de apoio parlamentar, definição de organização criminosa e responsabilidade dos bancos sobre operações suspeitas de seus clientes.
Ponderar os vários aspectos envolvidos em uma decisão faz parte da rotina de todo juiz. A novidade do mensalão é o alcance desses fatores. Não é exagero dizer que está em julgamento aquilo que a sociedade aceita ou rejeita na esfera das práticas políticas.
Não teria cabimento imaginar que o Supremo se transformasse num tribunal de exceção em nome da moralidade pública. Mas, sem ultrapassar os limites da técnica jurídica, caberá à corte fixar um parâmetro histórico apto a coibir futuros abusos no exercício do poder.
Entrevista:O Estado inteligente
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