O GLOBO
A questão da "urgência urgentíssima" para a análise, pelo Congresso, dos projetos sobre a exploração do petróleo na camada pré-sal poderia ter sido resolvida na noite mesmo de domingo, naquela reunião no Palácio da Alvorada em que o presidente Lula aceitou manter a divisão atual dos royalties para os estados produtores. O presidente aceitou também a sugestão do governador de São Paulo, José Serra, para que não limitasse no tempo a discussão dos parlamentares, contra a vontade do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, que se mostrou contrariado com a decisão. "Não vão aprovar nunca", comentou alto, ao ouvir Lula abrindo mão do expediente
Atribui-se a Franklin Martins a retomada do tema no dia seguinte, desta vez com o apoio enfático do senador Renan Calheiros, do PMDB, que comandou a reivindicação de que o presidente voltasse atrás do que combinara com os governadores e enviasse os projetos com a chancela de "urgência urgentíssima".
Vê-se agora que nem mesmo a maioria da base do governo está convencida de que essa é a melhor solução, e o presidente Lula encontra-se diante de uma inédita rebelião de seus próprios aliados, que estão considerando um descaso com o Congresso dar tão curto espaço de tempo (90 dias) para a análise de tema tão complexo, que custou ao governo mais de um ano de debates internos para chegar a uma proposta.
O comentário do líder petista Henrique Fontana, de que quanto mais rapidamente o Congresso decidir, mais rapidamente o país usufruirá dos benefícios do petróleo do pré-sal, revela ignorância do assunto e mistificação, pois é de conhecimento de todos que os resultados da exploração na camada pré-sal só serão reais dentro de dez a 15 anos. O que o PT quer é um tema para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff à Presidência da República.
O ministro da Comunicação Social, aliás, teve papel preponderante na reunião do Palácio da Alvorada, chegando a ser ríspido com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em pelo menos duas oportunidades.
Logo no início da reunião, reclamou em termos duros do governador por este ter dito que o governo estava fazendo "bravata nacionalista" com o tema do pré-sal.
Depois, quando tentava defender a mudança do marco regulatório de concessão para o sistema de partilha, o ministro arrancou um sorriso do governador Sérgio Cabral quando citou a Líbia como exemplo. "Está rindo de quê?", perguntou Franklin Martins, irritado.
Ora, há estudos suficientes para demonstrar que os países que adotam esse tipo de partilha são, em sua grande maioria, ditaduras como a Líbia, onde o nível de corrupção é bastante elevado.
O governador Sérgio Cabral, aliás, teve que ser acalmado em diversas ocasiões, inclusive pelo próprio presidente Lula, que lhe enviou bilhetinhos recomendando tranquilidade.
Houve um momento em que ele discutiu de dedo em riste com o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, que afirmara que havia conversado com ele sobre a questão dos royalties do pré-sal.
"Não é verdade", reagiu Cabral, sendo contestado por Lobão, que lhe disse: "Isso não é maneira de um governador se dirigir a um ministro de Estado. Nós conversamos sobre o assunto em uma reunião da Petrobras no Rio". Cabral retrucou: "E eu lhe disse que não aceitava a mudança da repartição dos royalties dos estados produtores".
Os três governadores tinham como objetivo central garantir que a divisão dos royalties se mantivesse inalterada, o que conseguiram, pelo menos inicialmente.
Na verdade, o que prevaleceu na reunião foram os argumentos apresentados pelo secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio, Julio Bueno, que já exercera papel idêntico no governo de Paulo Hartung (ES). Ele demostrou que o Rio de Janeiro produz 85% do petróleo brasileiro e fica com 45% do total das participações governamentais, que envolvem os royalties e as participações especiais.
Pelos dados oficiais da Agência Nacional do Petróleo (ANP), essa participação do Rio é de 80%, mas trata-se de um truque contábil. A participação do governo federal de 39% fica de fora nessa conta.
Se o sistema de divisão fosse alterado, os estados produtores teriam um grave prejuízo. O Rio de Janeiro perderia R$ 16,5 bilhões por ano; São Paulo, R$ 12,4 bilhões; e o Espírito Santo, R$ 4,1 bilhões.
O secretário Julio Bueno levou também um estudo que demonstra que o Rio de Janeiro perde anualmente R$ 8,6 bilhões porque o Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS) é cobrado no local de consumo, prejudicando os estados produtores de petróleo.
O governador José Serra carrega a fama de ser o mentor da lei, na Constituinte de 1988. Mas a verdade é que não foi possível cobrar o ICMS na origem, como era a proposta da comissão presidida por ele e da qual fazia parte o hoje senador pelo Rio Francisco Dornelles, porque a maioria dos estados, importadores de petróleo e derivados e de energia elétrica, perderia, por ter de pagar o ICMS que não pagava antes.
Já há setores do governo espalhando que o presidente Lula se incomodou com a reação de Sérgio Cabral, outros dizendo que o apoio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, à reivindicação dos estados produtores seria uma indicação de sua proximidade com o governador José Serra, esquecendo-se de que Jobim é do PMDB, partido dos governadores do Rio e do Espírito Santo.
O artigo 49, redigido por Jobim com a assessoria do secretário da Fazenda do Rio, Joaquim Levy, garante essa divisão inalterada, mas nada impede que no Congresso esse artigo seja retirado do projeto, ação que já está sendo estimulada por setores do governo.
Os governadores do Rio, de São Paulo e do Espírito Santo irritaram áreas do governo com sua reação, e já há várias retaliações em marcha, que eles terão que superar com acordos políticos