"Depois de quatro anos, com dezenas
de artigos sobre o Papa-Léguas lulista,
o esquema se desgastou. No ano que vem,
mudo de assunto. Até lá, espero concluir
algumas das histórias a que me dediquei.
O resultado do meu esforço será
o mesmo de sempre"
Lula é o Papa-Léguas. Eu sou o Coiote. Por quatro anos, imitei o
desenho animado. Recorri a todas as artimanhas para capturar a presa:
catapultas, foguetes, patins a jato, elásticos gigantes, tintas
invisíveis, rochas desidratadas, comprimidos de terremoto. Nada deu
certo. Lula sempre conseguiu escapar. E depois de escapar, como o
Papa-Léguas, grasnou aquele estridente bip-bip em minha orelha,
assustando-me e fazendo-me cair num abismo, em geral com uma pedra de
10 toneladas na cabeça.
O maior achado do desenho animado de Chuck Jones é sua absoluta
essencialidade. Os dois protagonistas, mudos, confrontam-se num
panorama deserto, onde só há pedras e cactos, cujos espinhos terminam
invariavelmente fincados na pele do Coiote. O Papa-Léguas é uma besta
primária, um oportunista microcéfalo perfeitamente adaptado ao seu
meio, que sabe apenas fugir e se esquivar das ciladas preparadas pelo
Coiote. O Coiote, por sua vez, é a caricatura do humanista otário que
acredita no triunfo da racionalidade, do conhecimento, do engenho
humano, da lei, do progresso social, da tecnologia. E é repetidamente
punido por causa disso. Se o Coiote é Lamarck, o Papa-Léguas é
Darwin. Se o Coiote é o humanista Settembrini, o Papa-Léguas é o
jesuíta Naphta. Se o Coiote é Bouvard e Pécuchet, o Papa-Léguas é a
tempestade que devasta sua lavoura.
A comicidade do Coiote e do Papa-Léguas não está na variedade das
piadas. Pelo contrário: está no repisamento infinito da mesma piada.
O Coiote prepara uma armadilha. O Papa-Léguas passa incólume por ela.
O Coiote se revolta e cai na própria armadilha. Quando se recupera de
seus efeitos calamitosos, prepara outra armadilha, num ciclo
interminável. Chuck Jones definiu o Coiote como um fanático, citando
o filósofo George Santayana, para quem "um fanático é aquele que
redobra seu empenho quando já esqueceu seu objetivo". Foi a fórmula
que, semana após semana, tentei plagiar aqui na coluna. Com Lula no
papel do Papa-Léguas e eu no do Coiote.
Chuck Jones dirigiu episódios do desenho animado de 1949 a 1965. Eu
resisti bem menos. Depois de quatro anos, com dezenas de artigos
sobre o Papa-Léguas lulista, o esquema se desgastou. No ano que vem,
mudo definitivamente de assunto. Até lá, espero concluir algumas das
histórias a que me dediquei no último período: do meu processo contra
Lula, que já está no STF, à denúncia de que ele possui uma conta num
paraíso fiscal. Da ação popular que pretendo mover contra a empresa
de seu filho, que arrendou ilegalmente um canal de TV, à revelação de
novos casos de financiamento ilícito ao PT. O resultado de meu
esforço será o mesmo de sempre. O Papa-Léguas passará por mim a toda
a velocidade, buzinando seu bip-bip. Eu, estupidamente, tentarei
descobrir o que deu errado em meus planos e, de uma hora para outra,
me verei caindo num abismo. Mas não ria. Porque você cairá junto comigo.