Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 21, 2006

Míriam Leitão - Sem plano de vôo


Panorama Econômico
O Globo
21/6/2006

O caso Varig tem vários pontos obscuros. Os compradores querem
comprar sem ter dinheiro e mantendo até agora em sigilo o nome dos
sócios secretos. Querem que o BNDES “monetize”, eufemismo para dizer
que o banco público é que tem que dar o dinheiro. A dívida não será
herdada pelos compradores, mas como dívida não some, os credores é
que pagarão a conta e, entre eles, está o próprio governo.

O juiz Luiz Roberto Ayoub está desde o início deste processo dando
prazos fatais. Renováveis. A cada novo prazo fatal cumprido, ele
estabelece outra data final. Tem tentado evitar o inevitável, que é a
tomada de decisão objetiva e fria. Se fosse feita uma pesquisa, a
maioria dos brasileiros gostaria de salvar a Varig: uma empresa que
tem 80 anos de competência. Mas ela tem que ser salva dentro do que é
razoável, não por voluntarismo de um juiz.

Houve um momento em que ele determinou que a BR entregasse
combustível mesmo sem haver pagamento. Isso significa tomar um ativo
da BR. Não se pode pedir a empresa alguma que aceite entregar seu
produto sem receber pagamento em troca.

Antes do leilão, o juiz Luiz Roberto Ayoub disse que não trabalhava
com a hipótese de fracasso do leilão. A hipótese de fracasso se
confirmou: não apareceram os compradores que supostamente apareceriam
e o único a oferecer uma proposta ainda não demonstrou ter
viabilidade econômica. Agora o juiz diz que não trabalha com a
hipótese de a proposta não ser consistente. Ele deveria trabalhar com
todas as hipóteses porque não é a Justiça que vai salvar a Varig. A
Justiça vai arbitrar dentro das condições econômico-financeiras que
forem dadas.

Os compradores da Varig querem que o BNDES “monetize”. Foi dito
assim. Querem que o Banco lhes empreste US$ 150 milhões que, em tese,
seriam usados apenas para capital de giro e na recuperação das
aeronaves. O BNDES exigiu do grupo comprador da Varig um projeto que
mostrasse garantias de pagamento. Ele ficou de ser entregue hoje ao
Banco.

A proposta de compra já tem várias facilidades pedidas pelo
comprador, uma delas é pagar metade do preço em 20 anos e com
debêntures que serão lançadas ao longo do tempo. Mas o comprador terá
que ter dinheiro em mãos capaz de capitalizar a empresa e capaz de
enfrentar dívidas externas sem as quais a companhia não poderá
funcionar.

O governo permanecia passivo até ontem, como se fosse um mero
espectador, sem tomar as medidas preventivas para o caso de falência
da companhia. Uma coisa é dizer que não salvará a empresa com
recursos públicos, outra coisa bem diferente é cruzar os braços
diante da iminente falência de uma concessionária de serviços
públicos. Ontem a Anac finalmente começou a agir; reuniu-se com as
outras empresas aéreas para estabelecer um plano de emergência em
caso de falência.

Mas, além de garantir que os consumidores que compraram bilhetes
possam viajar, há também que se garantir o espaço que o Brasil tem no
mercado internacional de aviação. Há garantia de que o país poderá
ocupar os mesmos slots , os mesmos horários de vôo e local nos
aeroportos do mundo inteiro que a Varig tem? São bons horários e boa
localização que podem, simplesmente, ser perdidos com a quebra da
companhia. Já houve alguma negociação entre o poder concedente no
Brasil e a agência reguladora com a Iata para não perdermos esse
patrimônio intangível da Varig?

O Brasil se preocupa com o que não deveria se preocupar. Exemplo: a
lei estabelece que capital estrangeiro só pode ter 20% de uma empresa
aérea brasileira. O importante é termos uma empresa voando,
empregando, gerando impostos e dando aos brasileiros o conforto de
viajar para o exterior em bons horários, parando em bons pontos dos
aeroportos.

O que as autoridades estão fazendo para preservar o patrimônio detido
hoje pela Varig de ter o melhor sistema de treinamento do Brasil, um
simulador de vôo de classe mundial que é usado por companhias do
mundo inteiro para treinar seus pilotos?

O governo está esperando que o juiz encontre uma saída mágica, quando
deveria estar se antecipando mais aos fatos para reduzir o impacto
negativo que haverá no caso, mais provável, de que o único grupo
comprador não tenha condições de comprar ou de manter a empresa
operando com um mínimo de garantia.

Os funcionários comuns da Varig — não os dirigentes da Fundação Ruben
Berta que infelicitaram a companhia durante décadas de má gestão —
estão dando um show de competência. Mantiveram a empresa funcionando
durante este longo período de enfermidade crônica. Mantiveram o mesmo
bom tratamento em todas as etapas do processo. Mantêm os aviões no ar
por mais tempo do que parecia possível.

O governo não pode salvar a empresa com recursos públicos. Se ela
falir, será uma perda, e não apenas para os funcionários. Até a falta
de competição vai piorar o serviço das outras companhias.

Arquivo do blog