Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 23, 2006

Entrevista Reinaldo Azevedo



ENTREVISTA DADA AO REPÓRTER BRENO CASTRO ALVES (SITE COMUNIQUE-SE)

Qual foi o objetivo que levou você e Rui Nogueira a fundar a revista?
***Nós não fundamos a revista. Assumimos Primeira Leitura, site e revista, quando o Luiz Carlos Mendonça de Barros decidiu que não queria mais tocar adiante a iniciativa. Isso foi em outubro de 2004.

Na sua concepção, o que é a Primeira Leitura?
***Acho que, na concepção de qualquer um, site e revista Primeira Leitura eram dois veículos jornalísticos afinados com a defesa da democracia, da economia de mercado e das liberdades individuais. O site tinha uma área noticiosa, como qualquer outro, dando conta do que estava em curso, e uma de análise e opinião. A revista era constituída de reportagens sobre temas nacionais e internacionais, relacionados a política e economia, com um forte sotaque ensaístico, sobretudo nas resenhas.

Qual cobertura que você realizou para o veículo lhe foi jornalisticamente mais realizadora? Por quê?
*** Desmascarar o aporte intelectual e político totalitário do PT.

Em sua opinião, sob qualquer aspecto, qual é o ponto mais alto da trajetória da revista?
*** Ter afirmado na edição de novembro de 2002 que Lula não cumpriria suas promessas e que o PT recorreria a expedientes não democráticos e republicanos para consolidar o seu poder.

De que forma você classifica a linha editorial dos veículos?
*** Na parte informativa, o compromisso era com os fatos. Na opinativa, depende. Em economia, considerando os referenciais dados, estivemos sempre à esquerda do governo Lula. Nas questões relativas às políticas sociais e ao ambiente institucional, não.

O posicionamento político dos veículos sempre foi próximo ao de grupos considerados de direita. A que se deve essa escolha?
*** Seria preciso definir o que é ser “de direita”, não? Os juros reais pagos pelo governo Lula são de direita, de esquerda ou de centro? Nós éramos críticos da política econômica. Invasão de propriedade privada produtiva ou destruição de laboratório de uma agroindústria é coisa de direita, de esquerda ou de centro? Fazer caixa dois e pagar mensalão é coisa de direita, de esquerda ou de centro? Cotas raciais na universidade é de direita, de esquerda ou de centro? Sacrificar a legalidade em nome de um entendimento particular do que é justiça, mandando às favas o Estado de Direito, é de centro, de direita ou de esquerda? Acho que o nosso posicionamento em relação a todas essas coisas sempre esteve afinando com o que se consagrou chamar no mundo de “democracia”. Vai ver a democracia é de direita... Bem, Lênin odiava a democracia. Marx também a considerava um truque burguês. Está escrito em A Ideologia Alemã. Gramsci achava importante superar a democracia. É boa a chance de que exista uma incompatibilidade entre a esquerda e a democracia, o que faz com que os democratas recebam a pecha de “direitistas”. Mas a razão principal mesmo é que nunca fugi com medo do nome. Se voltarmos à Revolução Francesa, que define os campos da direita e da esquerda, qualquer colegial bem informado sabe que as tais conquistas democráticas foram obra dos que estavam à direita na Assembléia. A turma da esquerda se contentava em cortas cabeças. Mas nem essa coisinha simples se ensina, não é? Professores de história em escolas particulares da elite tratam Robespierre, um tarado homicida, como herói. Sim, há um tanto de ideologia, mas a burrice ainda é o fator preponderante. É mais fácil ser uma pessoa notável quando se é de esquerda. Não precisa nem ser inteligente. Basta ter bons sentimentos. Nada é mais reacionário do que a burrice. Mas ela se confunde facilmente com os ditos “progressistas”.


Como se dava o contato com esses grupos?
*** Que grupos? Exceção feita aos profissionais de Primeira Leitura, o único grupo com os qual eu me encontrava era o formado pelos médicos que tiraram os tumores benignos da minha cabeça — só deixaram as coisas malignas, para tristeza de alguns. Ah, sim, também me encontrei, mas não foi reunião secreta, para trocar figurinhas do álbum Fifa World Germany 2006. As minhas filhas decidiram preencher dois álbuns. E mantive conversas com a minoria radical dos usuários de chapéu. Hás mais regras que regulam o mundo dos chapéus, se você quiser ser um expert, do que as cerimônias do Palácio de Buckingham. Eu me interesso por esses movimentos de minorias sectárias e irrelevantes. As minorias só são chatas quando querem ser relevantes e impor sua agenda. Nunca ninguém me convidou para usar cilício ou fazer tiro ao alvo na foto de Guevara, aquela do Kordas, que ganhou aquele corte visionário, em que o homicida mira o futuro. Se tivessem convidado, talvez eu aceitasse. Isso é uma piada. Eu aviso porque até piada anda precisando de tecla SAP...
Há quanto tempo a revista operava no vermelho?
*** A revista nunca operou no vermelho. Passaria a operar se não fechássemos.
Na prática, de que forma a decisão de não aceitar o “cálice do adesismo” provocou a derrocada financeira do veículo?
*** Bom, isso tem de ser indagado aos veículos que têm menos circulação do que nós, menos leitores do que nós, menos importância do que nós, mas que, não obstante, estão recheados de anúncios de estatais. O que sei é que havia anunciantes com receio de ver seu nome estampado em Primeira Leitura. Temiam retaliação. Alguns nos diziam: “Se vocês pegassem mais leve...” Lamento é não ter batido mais. Somos os únicos a bater? Não, há mais gente. Ocorre que, no Brasil, hoje em dia, o cara não liga de ser chamado de ladrão. Ele pensa: “Ah, todo mundo é”. Mas ele não suporta ser chamado de totalitário ou stalinista. Aí, fica bravinho e decide mover campanha contra a revista provando, então, que é um totalitário stalinista...

Que tipo de empresas ou grupos ofereceram patrocínio e foram negados? Por quê?
*** Ninguém ofereceu. Se oferecesse, a gente aceitava, desde que não fossem empresas associadas à exploração de sexo com crianças e animais... Talvez eu fizesse alguma restrição também a ONGs que defendessem comida japonesa ou que promovessem o Bolero, de Ravel. Fora isso, sem problemas. Se o Banco do Brasil, a Petrobras e a Caixa Econômica Federal quiserem patrocinar o meu blog ou o de qualquer outro profissional que pertenceu ao Primeira Leitura, a gente aceita. Posso garantir que chegaremos facilmente, de novo, a 2 milhões de page views. Só não podem tentar enfiar o nariz no que a gente escreve.

Gostaria de usar esse espaço para agradecer alguém em nome da revista?
*** Agradeço aos leitores e àqueles que anunciaram, nesse tempo, em Primeira Leitura, cientes de que um anúncio não quer dizer endosso à linha editorial da revista. Aproveito para reiterar que site e revista fecharam no melhor da sua forma, não foram ficando magrinhos, pálidos, para morrer aos poucos. O leitor não merecia. Agradeço também às centenas de manifestações de apreço pelos dois veículos e de pesar por terem chegado ao fim. Eu e Rui dissemos isto na carta e reitero: fomos os únicos responsáveis por tudo o que foi dito na revista e no site, por sua linha editorial, por seus posicionamentos inequívocos. Não somos vítimas nem de nossas escolhas. Fomos senhores delas. O tempo inteiro. Gosto muito de uma epígrafe que está no livro The Captive Mind, de Czeslaw Milosz, cuja leitura aproveito para recomendar. E atribuída a um velho judeu da Galícia. Não reproduzo ipsis litteris, mas o sentido: se você tem entre 30% e 60% de certeza sobre determinadas coisas, todos dirão que você é um cara firme. Se tiver 75%, já começa a ser suspeito. Mas ai de você se tiver 100%: logo dirão que você é um fanático. Tínhamos 100% de convicção sobre muita coisa. Chamberlain e Daladier tinham, sei lá, no máximo 50% de certezas sobre Hitler. Deu no que deu. Churchill tinha 100%. Por isso, o beberrão que recendia a charutos e uísque é meu herói, e os outros dois são pulhas detestáveis. Morremos donos do nosso nariz. À diferença de Lula, nós sempre soubemos de tudo.

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