Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 21, 2006

Dora Kramer - Fadiga de material O Estado de S. Paulo

21/6/2006

Roberto Freire anuncia retirada da vida parlamentar, o presidente do
Conselho de Ética classifica o atual Congresso como o "pior de toda a
História", o presidente da Câmara não vê a menor chance de melhorar
na próxima legislatura, deputados eleitos pelo voto "de opinião"
temem não ser reeleitos em face do prejuízo que a má conduta de
muitos causou à imagem de todos os políticos.

Como se vê, há coincidência de estado de espírito entre a maioria do
eleitorado e boa parte dos eleitos.

O desânimo e a exaustão contaminam os dois lados num sinal de que, se
não houver a conjunção dos melhores esforços por parte de
representantes e representados, o resultado das urnas em outubro
corre o risco de conferir medalha de honra ao mérito à atual
composição do Legislativo, tal a queda de qualidade que se avizinha.

Se os que se distinguem pela correção e não pela degeneração desistem
ou se deixam intimidar pelo temor de sucumbir à má fama da súcia e se
o eleitor por sua vez fizer de sua decepção um projeto de vida,
resolvendo militar na rejeição do voto nulo, da abstenção e da
rendição ao protesto meramente alienante, aí de fato não haverá
salvação. O País estará cavando a cova da democracia com as próprias
mãos, abrindo espaço para aventuras absolutistas.

Há um fenômeno peculiar tomando conta do ambiente: a realidade do
favoritismo do presidente Luiz Inácio da Silva nas pesquisas de
opinião não é aceita com naturalidade, causa espécie, e por que não
dizer, revolta e incompreensão. É esquisita a reação, pois para todos
os efeitos nada deveria haver de estranho no fato de um candidato,
principalmente à reeleição, assumir a dianteira nas pesquisas.

Mais espantosa ainda é a atitude da legião dos insatisfeitos que, no
lugar de tomar a si as respectivas cidadanias e buscar nas outras
candidaturas uma alternativa de escolha, parecem caminhar para um
conformismo, como se o cenário exposto fosse imutável e imune ao
efeito do voto contrário de cada um.

Entre os inconformados com o sucesso de Lula as reações mais comuns
são o lamento pela carência de "carisma" de Geraldo Alckmin, o
desconforto com o "radicalismo" de Heloísa Helena e a paralisia ante
a ausência de notoriedade do senador Cristovam Buarque.

Parecem todos muito loquazes na arte de se queixar, mas completamente
ineficazes na tarefa de providenciar uma adaptação do quadro a
condições mais adequadas aos anseios de cada um.

Isso ocorre em relação à eleição presidencial, mas acontece também no
tocante às escolhas para o Parlamento, já condenado de antemão a
escavar mais fundo o poço da desmoralização. O esmorecimento geral
dos eleitores agora passa a ser alimentado pelo abatimento daquela
minoria de excelências que exercem o mandato com distinção.

Acuados pela falta de recursos e de discurso e pela má vontade da
população para com os políticos, esses deputados realmente podem ser
alijados da vida pública, assim como a sociedade corre sério e
objetivo risco de ver piorada sua representação. Mas, como não
vivemos em regime totalitário, tudo pode mudar a depender da
disposição de melhorar, não se rendendo à fadiga, mas atuando para
dar uma boa reciclada no material.

Todos podem fazer isso: os políticos, mostrando capacidade de exercer
a crítica acima de suas conveniências partidárias, e os eleitores,
exercitando suas possibilidades de escolha muito mais com vontade de
acertar do que com medo de errar. Do contrário, se o resultado da
maioria votante não agradar, não será à enganosa cigana que os bem
formados e informados poderão reclamar.

Insistência
O Tribunal Superior Eleitoral negou ontem novo pedido do governo para
fazer propaganda institucional durante o período proibido por lei,
somando ao todo sete negativas em menos de uma semana, mais de uma
por dia.

O Palácio do Planalto, cuja consultoria jurídica existe exatamente
para fornecer pareceres ao governo orientando suas ações em
conformidade com a legislação existente, parece intencionalmente
disposto a testar os limites do tribunal.

Já no julgamento dos primeiros pedidos, o presidente do TSE, ministro
Marco Aurélio Mello, deixou clara sua posição contrária à tese de que
as campanhas setoriais de ministérios poderiam se enquadrar nas
exceções de emergência previstas em lei.

Mas o governo insiste em fazer solicitações obviamente fora do
esquadro como foi o pedido de liberação de campanha pela redução de
filas em postos do INSS, uma questão mais antiga que andar para
frente, nada tendo, pois, de emergencial.

De duas, uma: ou o Palácio do Planalto está buscando conflito com a
Justiça com vistas a posar de vítima dos "excessos" do tribunal, ou
está usando a Justiça Eleitoral como assessoria jurídica. Sobra uma
terceira hipótese, que é a de levar a opinião pública a ver o TSE
como parceiro da oposição.

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