Folha de S. Paulo
23/6/2006
A queda da desigualdade no Brasil está se tornando verdade absoluta e
incontrastável. Queda a conta-gotas, mas queda, de todo modo, a
partir da introdução das bolsas-esmola, no governo Fernando Henrique,
bastante aumentadas com Lula. Será mesmo verdade? Explico a dúvida:
todas as informações sobre a queda na desigualdade provêm de uma
única fonte, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios,
do IBGE). Não desconfio dos pesquisadores, mas dos pesquisados -de
alguns deles pelo menos. Pobre ou beneficiário das bolsas certamente
dirá a verdade sobre sua renda. Mas não é preciso ser muito
observador para saber que rico, ou quem ganha razoavelmente bem, terá
dificuldades em ser franco (medo de seqüestro, de assalto, do fisco
etc). Não é esse, no entanto, o ponto principal. O ponto é que, mesmo
de boa-fé, quem tem renda financeira, além do salário, dificilmente
se lembrará dela na hora em que o pesquisador perguntar quanto o
pesquisado ganha. Avalie o seu próprio comportamento nessa situação:
mesmo de boa-fé, será que, quando lhe perguntam a renda, lembra de
dizer que, além do salário, ganhou uns trocadinhos com a poupança?
Imagine então quem, além da poupança, tem investimentos financeiros
mais rentáveis. É bom lembrar estimativas de Márcio Pochmann segundo
as quais 20 mil famílias faturaram R$ 105 bilhões em 2005 graças aos
juros obscenos que o governo paga, ao passo que os 8 milhões de
beneficiários das bolsas-esmolas ficaram com apenas R$ 7 bilhões. Não
é razoável pensar que, em vez de a desigualdade ter diminuído,
aumentou a renda dos sem-renda, que a declaram, ao passo que a renda
dos com-juros tende a ser em parte escamoteada?